POSTAIS ILUSTRADOS XLI
DIÁLOGOS DO ABSURDO
“A nossa crise provém, essencialmente,
do excesso decivilização dos incivilizáveis.”
Fernando Pessoa
in Portugal entre Passado e Futuro
Escrevi uma vez, há muitos anos, no Correio da Manhã, jornal onde fui colaborador livre, em artigo dirigido a Vasco Pulido Valente, então Secretário de Estado da Cultura, que a Cultura não se legisla: acontece e divulga-se. Quanto à Educação esta não acontece, por não depender tanto da criatividade, mas, essencialmente, do trabalho. Tem normas, princípios e uma exigência de trabalho a que se chama: estudo.
Quando ouvi a responsável do Governo pela Educação, a dizer-nos que o estudo, como modalidade de trabalho, não carece de avaliação. Passam todos. Indignei-me. Fiz um texto à bruta, mas, depois, retirei-o e considerei fazer uma análise dos momentos espectaculares recentemente vividos.
Lembro-me, que, na primária, fiz exame da 3º classe. Logo de seguida veio o exame da 4ª. Quando fiz o exame da 4ª, também fiz o exame de admissão aos liceus e o de admissão às escolas técnicas; tudo na mesma altura. Dizia-me o meu Avô materno que era para assegurar o futuro... Tinha eu então 9 anos a caminho dos 10.
As criancinhas agora não se aguentam nem com um exame, ou com qualquer outro método de avaliação que permita conhecer o que aprenderam? Pensei que já tinha chegado ao limite da estupefacção mas enganei-me. Todos os dias os portugueses são surpreendidos com novidades provindas de quem deveria, no mínimo, esconder-se atrás do bom senso, já que a competência e a inteligência não abundam.
Gerou-se também grande confusão com o despacho de arquivo do processo Freeport.
Analisada, sucintamente, a questão, parece-me visível a desorganização e confusão totais no Ministério Público Português, que, como se sabe, é um serviço especializado do Estado e não um Órgão de Soberania; estes, pela sua natureza, independentes.
Sempre defendi que os Senhores Juízes não são funcionários públicos “strictu senso”. O Ministério Público, como serviço do Estado tem uma hierarquia. Mas, contrariamente ao que não deve ser reconhecido aos Tribunais, como Órgão de Soberania, os Magistrados do Ministério Público têm direito, e bem, a um sindicato.
Voltando à Educação, a Sr.ª Ministra pretende o debate sobre a matéria. Dialogar... Repare-se na cautelosa posição do Partido Comunista que sendo por excelência, o auto-denominado partido dos trabalhadores, se apoiasse a barbaridade inconsequente de os alunos passarem de ano sem qualquer prova de esforço, os trabalhadores portugueses caiam-lhe em cima. Por outro lado, no mundo global do trabalho, que abrange modernamente um espaço sem fronteiras, como seriam vistos os técnicos portugueses a partir desta modernidade intelectual e defensora do não esforço das criancinhas, que ficam traumatizadas com os “chumbos”? Estamos no domínio puro do Absurdo.
Convinha que começássemos a ler Albert Camus, Thomas Nagel, Martin Heidegger. Este último e a tradição da filosofia existencial aceitam a tese de que as afectividades têm um papel fundamental na compreensão do saber-como das vivências.
A Sr.ª Ministra da Educação propõe, assim, o diálogo. A vantagem de uma discussão mais abrangente e não simplesmente reduzida a aspectos como a cognição e justificação da crença da Sr.ª Ministra de que é possível, por este método, o da ausência de “chumbos”, diminuir o número de criancinhas traumatizadas, parece-me um equívoco. Talvez, lá para o séc. XXX, em excesso de civilização isto seja possível; por agora teremos de quedar-nos pelos incivilizáveis. Thomas Nagel (1), por exemplo, diz-nos que o paradoxo da Sr.ª Ministra, (para não lhe chamar outra coisa), apresentado desde um ponto de vista objectivo (evitar o traumatismo das criancinhas) e o subjectivo (acreditar na importância da sua crença pessoal) é mesmo um paradoxo. Nagel usa o conflito entre as duas perspectivas no seu artigo sobre o sentido da vida, "O Absurdo", no qual defende que a vida humana é necessariamente absurda precisamente porque nunca poderemos reconciliar a perspectiva da primeira pessoa que temos sobre nós próprios com o conhecimento de que somos apenas mais uma coisa no mundo, sem qualquer importância. (2)
O distanciamento entre o Governo e aqueles que governa já não pode ser, de forma alguma, escamoteado. Vivemos uma situação absurda...
L uís Santiago
(1) Prémio Rolf Schock da Lógica e da Filosofia da Academia Sueca de Ciências;
(2) Texto recolhido da Wikipédia, enciclopédia livre, sobre a Obra de Thomas Nagel.
(sublinhado meu)