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A bem da Nação

OS LOBOS E OS FAUNOS – 1

Fauno, rei do Lácio, filho de Pico e neto de Saturno a quem estabeleceu culto público, elevou a mulher – Fauna – e o pai à honra dos altares privados acabando ele também por ver os romanos reconhecerem-lhe atributos divinos e prestarem-lhe culto oficial. Ficou na mitologia romana como divindade campestre assobiando em conjunto com centenas de melros a melodia que nos campos ouvimos das flautas mágicas em protecção da fecundidade dos rebanhos.

 

Hoje ainda os melros assobiam do alto dos galhos prometendo paraísos onde escorram o leite e o mel atraindo os rebanhos sedentos e gulosos na esperança de um futuro prenhe de todas as benesses que a imaginação dite. Mas os lobos andam à solta e o engodo rapidamente se transforma em anzol; à espera do leite e do mel está um sedento enxame de moscas verdes; o paraíso é, afinal, próximo do purgatório; o rebanho sente-se abandonado pelos deuses.

 

O assobio dos melros é sempre o mesmo: a cada um segundo as suas necessidades para uma sociedade mais justa, melhor nível de vida, maior transparência nas decisões, Justiça mais rápida, combate à fraude, perseguição aos bandidos e mais um rol de notas maviosas enchendo pautas que só os iniciados decifram mas que muitos outros escutam no inocente deleite dos néscios incautos.

 

Ah! Não esqueçamos: redução dos impostos! Já!

 

E agora vamos a votos, meu povo!

 

Só não apregoam o “dois em um” do género do «vote por dois cada vez que cá vem» porque a Comissão Nacional de Eleições não gosta desse tipo de marketing.

 

Mas quando chega a hora de parar de mentir, então a verdade azeita-se e vem ao de cima: não só não se baixam os impostos como, pelo contrário, se sobem os impostos. Ah! E de preferência os indirectos que é para todos pagarem por igual sem hipótese de fugas nem descontos como nos directos.

 

E, agora sim, chegámos às “duas numa” com uma verdade a calar duas mentiras: a verdade da necessidade inadiável de satisfação da ventosa do Estado contra a mentira de mais solidariedade e contra a de menos impostos.

 

E tudo isto porque o Estado vem encarecendo ao longo das Legislaturas tanto por proposta executiva como por decisão legislativa autónoma. E quando o próprio Governo diz que o Estado tem que emagrecer, logo se levantam brados de reivindicação de direitos revolucionários adquiridos: são as corporações que não se contentam com o que já têm e querem mais leite e mais mel. Não querem que o Estado emagreça; querem que o Governo cobre mais. E o Governo decreta um aumento do IVA.

 

Agora podemos começar a sentir a concorrência fiscal cada vez mais dentro do país ultrapassando a raia e avançando para o litoral. Até que distância fronteiras adentro se justificava irmos a Espanha comprar isto ou aquilo porque o ISP ou o IVA ou ambos eram mais baixos lá do que por cá? Pois agora, só à custa do IVA, Espanha entrou mais 2% por Portugal dentro; resta ainda averiguar qual a expressão quilométrica dessa evasão fiscal que não deixa de ser também uma invasão económica.

 

E se a concorrência fiscal se continuar a agravar, está por saber quando se justificará que os corvinos vão a Vigo comprar gasolina ou manteiga. Com os agradecimentos de Zapatero, claro.

 

Eis como os agentes da soberania se transformam nos seus algozes.

 

Estamos, portanto, no caminho errado e o assobio dos melros já não faz qualquer sentido porque o enxame das varejeiras verdes se está a transformar numa alcateia corporativa de juízes, publicanos, polícias, professores, notários e seus ajudantes.

 

Lisboa, 27 de Junho de 2005

 

 Henrique Salles da Fonseca

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