CATURRICES 02
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JOGOS DE SOMBRAS - II
“Se a PT perde a VIVO, é a Pátria que soçobra” clama o Governo aos quatro ventos.
Por que diabo? É a pergunta que vem imediatamente à ideia - e a que o Governo ainda não se dignou responder. Assim, ao estilo de: “Isto da alta política é areia de mais para as vossas pobres cabecinhas! Comam, calem - e confiem em quem sabe”.
Seja, ou não. Por onde paira o “interesse nacional” neste imbroglio? Pela VIVO? Pela PT? Pela vertigem da “alta política”? Algures, num canto escuro? Vamos lá procurá-lo.
Estará na VIVO? A VIVO é um operador de telecomunicações móveis no Brasil (não sei se ambiciona expandir-se para os países vizinhos) – um mercado liberalizado, competitivo e razoavelmente regulado.
O interesse nacional de cá estará então nos milhões de telemóveis que milhões de brasileiros dedilham a todo o momento com enorme entusiasmo? Talvez na secreta esperança de pôr a VIVO a bombardeá-los com mensagens subliminares sobre a casa abençoada por Deus que é a lusofonia? Ou, com mais matreirice, para os tornar consumidores compulsivos de produtos portugueses?
Por se temer que a VIVO faça uma entrada fulgurante no mercado português, arrasando a concorrência e tomando à má fila o controlo da infra-estrutura da rede fixa – um equipamento mais que estratégico? [Infra-estrutura que, diga-se de passagem, a PT foi “convidada” a adquirir por um Governo sedento de pilim, sem que accionistas e Comissão Europeia esboçassem um gesto, por mais simbólico que fosse.]
Ou será, antes, para assegurar que a PT continue a ser um contribuinte de excepção, um financiador de mãos largas e um empregador generoso? Mas, se assim for, o que se quer é que o pessoal de lá continue a contribuir para o pagamento, já da crise orçamental deste lado do Atlântico, já dos petits projects dos nossos imaginosos governantes. Aí, sim, o interesse seria inegável e bem nosso!
Será que o Governo brasileiro nada tem a dizer sobre esta manobra tosca que visa lançar mão de investimento directo estrangeiro para tributar no país de acolhimento, pondo o povão ao serviço das finanças públicas de outro país - ainda que este seja o País Irmão?
Seja como for, o interesse nacional na VIVO estaria sempre sujeito a leis, regras e regulamentos para os quais o nosso Governo nunca seria tido nem achado. E ficaria exposto às vicissitudes de um mercado cujas conjunturas ele nunca conseguirá influenciar. O que não deixaria de ser imprudente, se não fosse, desde logo, uma rematada insensatez.
Estará na PT? Mas a PT é também um operador de telecomunicações num mercado aberto, competitivo, ainda que regulado de forma displicente. Aqui, sim, o interesse nacional é que é óbvio: telecomunicações de qualidade a preços alinhados (em Paridade de Poder de Compra) pelos da restante UE (o que está longe de acontecer).
Para isso bastam ao Governo dois instrumentos: regulação e concorrência. Que uma e outra, entre nós, andem há muito pelas ruas da amargura é sina que não se esconjura com participações no capital de empresas estrangeiras.
“Ah! Mas a VIVO é fundamental para as actividades de desenvolvimento tecnológico a que a PT se dedica” eis um argumento que se ouve amiúde, quando chegados a este ponto (e temo bem que se deveria dizer INESC e Universidade de Aveiro em vez de PT).
Entendamo-nos! Se o software destes dois Centros de Investigação não operasse maravilhas no mercado brasileiro (e noutros) de nada serviria a participação da PT no capital da VIVO. E persistir nesta participação só para vender a bom preço software imprestável seria caminho certo para transformá-la em lixo.
Aliás, mal iriam os planos de expansão da PT se assentassem na utilização de tecnologias falhadas só porque eram “da casa”. Bem vistas as coisas, o argumento é apenas uma outra versão do método - tão nacional e tão interesseiramente nosso - do apadrinhamento e da “empenhoca” que, felizmente, não é para aqui chamado.
Convenhamos! O interesse nacional é o interesse da Nação. O que é dizer: interesse alinhado pelo bem comum dos portugueses. Dos portugueses que necessitam de telecomunicações fiáveis, não dos que falam ao telemóvel no Brasil. Dos portugueses que necessitam de telecomunicações seguras, não dos accionistas da VIVO. Dos portugueses que necessitam de telecomunicações a preços competitivos, não dos Governos que se enfeitam com penas que não lhes pertencem.
Para que conste e o Governo não esqueça, o legítimo interesse dos portugueses, quanto a telecomunicações, resume-se em três singelas palavras: segurança, qualidade, preço.
E por falar em portugueses... Se, na verdade, o investimento na VIVO convoca o interesse nacional, então os nossos governantes (dados do Relatório e Contas de 2009):
- Alavancaram-no para lá do razoável com o dinheiro de investidores privados, nacionais e estrangeiros (o peso da golden share no Capital Social da PT é insignificante);
- Financiaram-no em larguíssima medida com recurso a dívida (dívida líquida de € 5.9 mil milhões, para capitais próprios, excluindo interesses de minoritários, de 1.4 mil Milhões, dos quais cerca de metade provem dos lucros obtidos já em 2009);
- Permitiram que aos portugueses fossem facturados preços anormalmente elevados (no contexto europeu) para que a vida financeira da PT não fosse um sufoco.
Dito com maior clareza: todos os clientes da PT, ao longo destes anos, suportaram o seu quinhão no financiamento do “interesse nacional”, sem que se ouça, agora, que também eles vão beneficiar dos proveitos que a venda da participação no capital da VIVO irá gerar.
“Se achassem que a factura da PT era pesada, mudassem para a concorrência” ouço dizer. Pois sim! O mercado das telecomunicações em Portugal, apesar das campanhas publicitárias aparentemente agressivas, é um oligopólio do tipo líder/seguidores – até porque a infra-estrutura da rede fixa está nas mãos da PT. CED.
A.PALHINHA MACHADO