LIDO COM INTERESSE – 47
Título: DIÁLOGO EM TEMPO DE ESCOMBROS
Autores: D. Manuel Clemente e José Manuel Fernandes
Editora: Pedra da Lua
Edição: 1ª, Abril de 2010
Da contracapa se extrai que se trata da busca do sentido dos dias que passam.
Entrevista sem prazo na qual o jornalista (agnóstico confesso) começa por identificar as questões para que gostaria de obter respostas:
• A última década foi, para Portugal, uma década perdida?
• Podemos ter esperança no futuro?
• Como portugueses, temos “medo de existir” ou temos “História a mais”?
• Que papel tem a Igreja Católica hoje em Portugal e no mundo?
• No centenário da República, que balanço das relações entre o Estado e a Igreja?
• Será que vivemos tempos de novos ateísmos e de novos anticlericalismos?
• Bento XVI tem sido o Papa de que a Igreja e o mundo necessitavam?
A segunda parte do livro é preenchida com as respostas com que o Bispo do Porto nos presenteia. A erudição não apanha o leitor desprevenido; o que surpreende é a simplicidade da exposição, típica de quem pisa o chão dos comuns, nada a ver com discursos distantes e frios de cátedras inacessíveis.
A terceira parte contém uma troca de cartas entre o entrevistador e o entrevistado que servem para aprofundar algumas questões. Se continuei a não ficar surpreendido com as magníficas «lições» de D. Manuel Clemente, tenho aqui que reconhecer o modo elegante, sóbrio e profundo como José Manuel Fernandes aborda as questões e a sinceridade que ab initio evidencia; mostra estar perfeitamente “à altura”.
Não tenciono contar aqui o conteúdo essencial do livro mas não resisto a algumas citações.
À pergunta inicial – A última década foi, para Portugal, uma década perdida? – D. Manuel Clemente começa por responder com uma afirmação que deixa o leitor desprevenido como que “pregado ao chão”: «Portugal só é viável fora ou para fora de si mesmo». E a partir daqui desenvolve um raciocínio que deslumbra qualquer economista. Notemos que nem todos os economistas deslumbram Bispos...
A páginas tantas (na 47), identifica a causa dos nossos males actuais:
«A pós-modernidade retraiu-nos mais na subjectividade e no individualismo, (...) em parte pela falência das ideologias que prometiam a resolução de todo o tipo de problemas a partir de ideias únicas, impostas a todos. A partir dos anos oitenta do século XX, foram mais difíceis as mobilizações, a não ser para reivindicar precisamente a ruptura com o que foi geracionalmente transmitido e aceite: daí a voga das causas fracturantes, daí a deriva libertária do liberalismo, que não se legitima a não ser a partir do que cada um queira, sem mais explicações. Acaba por ser outra “ideologia” de tipo contracultural, que durará ainda. Junta-se naturalmente o prazer imediato como “justificação” e a possibilidade material de o obter como “objectivo”, mesmo a todo o custo.»
E mais não conto para ter a certeza de que não estrago a leitura integral de livro tão bom.
Nota final: se o Prefácio fosse Posfácio, o leitor havia de perceber mais rapidamente o que José Tolentino Mendonça significa.
Fonte da Telha, Julho de 2010
Henrique Salles da Fonseca