A GAROTA QUE CAIU DOS CÉUS - 2
“Ninguém pode afirmar que tem coragem,
se não enfrentou o perigo”.
François de La Rochefoucauld
(1613-1680)
Lamento hoje, e o lamentar tardiamente é sinal de arrependimento, sendo este próprio dos fracos, mas..., não ter na altura sido despertado para uma maior penetração na alma e sentir daquele povo, aprendendo a sua língua. Para a vida quotidiana e profissional nunca fez falta, nem mesmo para andar pelo interior, onde praticamente em todo o lado se encontrava quem falasse melhor ou pior o português. Em muito lado podiam não falar com perfeição, mas o entendimento nunca deixou de se fazer, usando uma mistura de todas as palavras que se conheciam de parte a parte.
Lá, nos planaltos, as noites frescas, o céu lindo, estrelado, a fumaça da fogueira subindo ao ritmo do batuque e danças e dos contadores de histórias. De vez em quando uma estrela cadente rasgava por entre todo aquele cintilar, e no mesmo instante um pedido se elevava, que fizesse durar aquela paz e tranquilidade por todo o sempre!
Os céus de Luanda eram mais pesados. Junto à costa, muito maior a humidade do ar, assim mesmo muitas noites aquelas estrelas lá ficavam vaidosas mirando-se e reflectindo-se na quietude das águas da baía, deixando a cidade dormir em sossego. Clima tropical, turvavam-se de vez em quando os ares, anunciando chuvas ou simplesmente pairando incómodas, no cacimbo, baixando a temperatura mas aumentando desagradavelmente a humidade relativa do ar.
Luanda no cacimbo ficava mais triste. O Sol passava com dificuldade através daquelas nuvens e em casa o que não se arejava, embolorava!
As épocas melhores são sempre as intermediárias, que se na Europa se chamam Primavera e Outono, ali eram o fim das chuvas, início do cacimbo, por decreto oficial marcado para o dia 15 de Maio, em que efectivamente não chovia mais, mesmo que na véspera, a 14, tivesse caído uma boa chuvarada como despedida, e o fim deste, início das chuvas, a 15 de Setembro, quando, exactamente nesse dia, em muito lugar caíam as primeiras chuvas oficiais, como que a dizer-nos: Cumprido o Decreto!
Durante o cacimbo não se ia à praia! Estava frio! E se alguém se aventurava a enfrentar esse gelo, ia até lá vestido, calça e camisa, para se sentar naquelas rochas e ali ficar gozando o eternamente belo espectáculo do mar. Outros, mais desportistas, pescavam, e aquele mar generoso a todos contemplava com alguma coisa. E coisas boas tinha aquele mar...
Voltemos aos céus. As Forças Armadas em Angola, nesse tempo eram em número pouco mais do que teórico, mas começavam a crescer.
Para inaugurar o início das actividades da Força Aérea, até ali ausentes de África, organizou-se uma espécie de “festival” aéreo, com uma dúzia de aviões que para lá tinham sido destacados, aproveitando-se para se fazer também uma exibição dos homens que vêem dos céus!
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Na altura dizia-se que aqueles aviões tinham sido cedidos pela OTAN (NATO), em que Portugal estava integrado, para exercícios de defesa da Europa. Manhosamente, Salazar convenceu os parceiros que fazia os exercícios de treinamento em África! Ninguém engoliu tão esfarrapada mentira, mas todos fizeram ouvidos de mercador. E, como é cronicamente sabido, os piores diplomatas do mundo são os americanos. Cegos, todos, por dinheiro, tudo Tio Patinhas, cederam aviões para a OTAN e quando souberam que eles estavam em África, e os seus interesses visavam também o chamado Cone sul africano, ou o Atlântico Sul, ou a rota do petróleo e mais as riquezas africanas – África do Sul, Rodésias, Moçambique, Angola e Congo – acharam que não seria má ideia disfarçar e ajudarem a manter o status quo dessa zona de África... até ver.
Os Estados Unidos e a sua clássica incapacidade de política externa ainda não tinham despertado para o mundo novo, os novos países africanos, que se voltavam para a União Soviética, que abertamente os apoiavam. Só mais tarde é que decidiram ajudar e financiar alguns grupos rebeldes, não tanto independentistas, como o FNLA, porque as suas ligações e/ou compromissos com o Congo, nunca ficaram muito bem esclarecidas!
A verdade é que Portugal levou de graça para Angola uma dúzia de caças a jacto!
(continua)
Rio de Janeiro 27 de Outubro de 2009
Francisco Gomes de Amorim