O CONTRABANDISTA
Quem se lembra do fado-canção de Alberto Ribeiro, que foi grande sucesso lá pelos anos 40 ou 50, “O Contrabandista”?
Ai! Não há maior desengano
Nem vida que dê mais pena
Do que a vida do cigano.
Atravessar a fronteira
Para ser atravessado
Por uma bala certeira.
E tudo porque o destino
Que fez dele um peregrino,
Companheiro de luar
Um triste judeu errante
Que não tem pátria nem lar!
Portugal com a sua economia também triste, e com uns dois milhares de quilómetros de fronteiras terrestres e marítimas, sempre foi uma atracção e um mercado para os arrojados contrabandistas, perseguidos, às vezes, pela Guarda Fiscal, quando esta não fazia vista grossa. Também eram clientes!
Não era ainda tempo, que bom, do imenso contrabando que hoje domina o mundo, das armas e sobretudo das drogas, a que deixou de dar o nome de contrabando e passou à “categoria” de tráfico.
Hoje trafica-se tudo, incluindo crianças, mulheres e também os “inocentes” e baratos produtos chineses.
Lá no antigamente eram mercadorias “comezinhas” como alguns frascos da boa “água de Colónia” que faziam os vizinhos espanhóis, nosso maior fornecedor de contrabando. Lembro especialmente o famoso “Coñac Três Cepas” de Pedro Domecq, bem mais barato e melhor do que a maioria das aguardentes portuguesas, que ainda hoje se encontra até pela Internet, e do “Fundador”, de mais categoria.
No início dos anos 50 conheci um jovem militar, Tenente, incorporado na Guarda Republicana, cuja primeira função foi comandar o posto fronteiriço de Chaves (para quem não sabe, Chaves fica no Norte de Portugal, a uns escassos dez quilómetros da fronteira com a Espanha) que, rindo, nos contou a sua primeira aventura na “luta” contra o contrabando.
Jovem, saído há pouco da Escola do Exército, resolvido a endireitar o mundo, como a mocidade em geral julga ser capaz, decidiu que havia de acabar com o contrabando que, naquela região, era intenso.
Informado com os guardas que conheciam os principais fornecedores além fronteiras, um dia meteu-se no seu carro particular, desfardado, para tentar passar por um “turista” qualquer, aí vai ele a Espanha. Em dois ou três lugares comprou uma jaqueta de couro (óptimas as que vinham de Espanha), umas garrafas de conhaque e mais algumas coisas assim banais.
Compra efectuada, pergunta aos comerciantes se lhe podiam entregar a mercadoria em sua casa. Em Portugal. Todos, com a mais natural simplicidade, lhe disseram que sim.
Regressou a casa, sentou-se numa cadeira e ficou esperando que o entregador viesse, e aí ele então se preparava para o obrigar a explicar como o sistema funcionava.
Não esperou muito. Nem meia hora depois batem à porta, aparece um garoto de talvez uns doze anos, pergunta se ele é o senhor “F” e, na afirmativa, entrega-lhe todas as compras que o glorioso Tenente havia feito em Espanha.
Como é natural espantou-se com a velocidade da entrega e obrigou o garoto a dizer-lhe como tinha conseguido tal proeza.
Muito naturalmente o garoto disse-lhe que, sabendo que ele era o Comandante do posto de fronteira, ninguém iria abrir a mala do seu carro. Então, foi simples: ele fora na mala do carro, esperou um pouco para se certificar que ali seria a sua casa, e... pronto!
Finalizava, mais tarde o glorioso defensor das nossas fronteiras:
- Não há como lutar com esta gente. Eles inventam mil e uma maneiras de nos enganarem!
Ainda hoje assim é!
Rio de Janeiro, 17 de Junho de 2010
Francisco Gomes de Amorim