UM VETO QUE NÃO O É
Na minha opinião, a não plebiscitada Constituição da República Portuguesa contém um certo número de contradições, aspectos fortemente antidemocráticos e alguns até caricatos. Os que a fizeram - e talvez porque tenham visto isso nalgumas outras - atribuíram ao Presidente da República o direito de vetar qualquer diploma que a Assembleia da República lhe apresente. Mas, ou porque nesta matéria não queriam dar-lhe poderes ditatoriais - que, absurdamente, lhe atribuíram noutros artigos - ou porque viram que isso acontece noutros países, como os Estados Unidos, incluíram uma cláusula que manda que o documento vetado volte a Assembleia da República, onde pode vir a ser aprovado, sendo então o Presidente da República obrigado a promulgá-lo.
"Esqueceram-se" - ou não perceberam - que para o veto possuir alguma validade, sem ser absolutamente ditatorial, deve ser acompanhado duma outra condição, que é a exigência do documento ser aprovado pelo menos por dois terços do total dos deputados (como sucede nos Estados Unidos), para poder suplantar o veto presidencial. Caricatamente, na nossa Constituição não há essa exigência e um documento vetado pode ser aprovado pela mesma maioria (que pode ser de apenas mais um voto) que anteriormente o aprovou. Isto é, o veto, realmente, não existe e o Presidente da República bem o assinalou na sua declaração ao país em 17-5-2010, mostrando que não valia a pena vetar um documento que, em tais condições, voltaria a ser aprovado por aqueles que antes o tinham votado. Ou seja, temos na Constituição um veto que, na realidade, não o é.
O que é ainda mais espantoso é ver a reacção de pessoas que tinham obrigação de ver claro, a declararem que ficaram muito desapontadas por o Presidente não vetar o diploma, mesmo sabendo, e como o Presidente declarou, que esse veto seria completamente inútil e apenas faria gastar mais algum tempo da Assembleia da República, com nova discussão e votação. O Presidente deixou bem claro que é absolutamente contra o que aquele diploma define e que não o vetou pela total inutilidade desse veto. Se a nossa Constituição tivesse lógica e o diploma vetado só pudesse ser aprovado por uma maioria de dois terços, é óbvio que valeria a pena vetá-lo. Um veto nas actuais condições só serviria para os deputados que produziram e aprovaram o diploma clamarem a grande vitória que tinham obtido contra o Presidente. O Presidente cortou-lhes essa vasa. Na televisão vimos e ouvimos alguns dos tais desapontados a dizerem que, assim, já não vão votar no Prof. Cavaco Silva e nos jornais já veio que "a direita anda a procura de alternativa a Cavaco", algo que bem sabem que não encontram mas será uma grande ajuda ao bando de Argel.