O ENSINO DA ENGENHARIA
E A DECLARAÇÃO DE BOLONHA – 2
Em 1998 reuniram-se na Sorbonne os Ministros da Educação da França, da Alemanha, da Inglaterra e da Itália, visando uma certa uniformização dos diplomas europeus, tendo produzido uma Declaração.
Em 19 de Junho de 1999 reuniram-se em Bolonha os Ministros da Educação de 29 países europeus (entre os quais o de Portugal e incluindo, portanto, alguns não membros da União Europeia) e produziram uma Declaração em que continuavam e aprofundavam os temas da Declaração da Sorbonne.
A Declaração de Bolonha visa criar um Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES) em que, embora não havendo absoluta uniformidade - que não se deseja - haja possibilidade de facilmente encontrar equivalência entre os diferentes diplomas e níveis de estudo, que permitam grande mobilidade entre países, seja de estudantes, seja de diplomados.
Para isso, além de alguma semelhança em tempos de escolaridade, pretende-se criar um sistema de créditos (European Credit Transfer System, ECTS) que assegure a qualidade do ensino.
Em 19 de Maio de 2001, em Praga, voltaram a reunir-se os Ministros da Educação, um grupo agora alargado a 32 países. O objectivo, apresentado numa Declaração final, foi analisar os progressos feitos depois da Declaração de Bolonha, prosseguindo o trabalho que levará à criação do EEES.
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Nas suas linhas gerais, a Declaração de Bolonha veio propor, em 1999, algo muito semelhante ao que consta dos meus escritos de 1994 e 1995. Apenas tenho dúvidas em relação ao expresso nessa Declaração sobre a "obrigatoriedade" de o primeiro grau académico - seja ele designado de bacharel, como prefiro, ou licenciatura, como parece ser desejo de muitas pessoas - dar preparação suficiente para exercer uma profissão. Isso não me parece compatível com um bom esquema de cadeiras em cursos como engenharia ou medicina - e, provavelmente, outros - que exigem um amplo conjunto de cadeiras básicas, necessárias à aprendizagem de variadas técnicas, mas que não conferem os conhecimentos específicos para exercer uma profissão.
Também me parece que o esquema que proponho, de 3 anos (mais um ano de estágio profissional, se for um bacharelato profissional) + 3 + 2 me parece mais satisfatório do que o de 3+2+2 ou 4+1+2.
Para a mesma quantidade de créditos por ano, quanto mais longa for a aprendizagem, mais bem preparado sai o estudante para o mercado de trabalho. Ele poderá, assim, escolher o nível a que deseja sair dos estudos, embora fique sempre com a possibilidade de voltar à universidade se quiser prosseguir esses estudos para um nível mais elevado.
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A proposta que tenho feito e que me parece mais adequada é que os três níveis tenham as tradicionais designações de bacharel, licenciado e doutor. Depois da introdução do grau de mestre e com argumentos que não me parecem suficientemente válidos, muitas pessoas preferem eliminar o bacharel, ficando o licenciado, o mestre e o doutor. Mas o licenciado será, internacionalmente, considerado, como actualmente é, um bacharel, pois, como se referiu, é a quem tem um "Bachelor" que se manda fazer um "Master".
Se, no entanto, essa nomenclatura prevalecer, é óbvio que o título de "engenheiro" (tal como o de "médico") não pode ser atribuído ao nível de licenciado e deverá sê-lo, pelo menos, ao de mestre.
O título de “mestre” é usado, em Portugal, ou para o mais elevado dos doutores ou para o mestre sapateiro, mestre carpinteiro, mestre de obras, suponho que com origem nos ofícios da Idade Média, em que havia o aprendiz, o oficial e o mestre. Há ainda a antiga figura, simpática e carinhosa, do mestre escola. O título de bacharel, além de ter tradição, corresponde ao usado na Grã Bretanha e nos Estados Unidos, os países para onde temos enviado mais estudantes, especialmente para obtenção de graus superiores. Por esse facto, proponho os títulos acima indicados. Mas se, por razões que me escapam, for preferível usar “licenciado”, “mestre” e “doutor”, admito que o nome é um tanto secundário.
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Para além dos engenheiros, a quem compete a concepção e comando da execução das respectivas actividades, a engenharia ocupa uma vasta gama de outros trabalhadores, a diferentes níveis, todos colaborando para um produto final. Por esse facto, além do ensino superior, com os níveis de "engenheiro técnico" e de "engenheiro", não deixa de ser importante abordar o problema do ensino até ao nível do 12º ano de escolaridade, onde igualmente se propõe um esquema a generalizar, que só em muito pequena parte está em execução.
A reorganização do ensino que levou ao desaparecimento das "escolas técnicas" e do "ensino médio" privou o País de pessoal com formação a esses níveis, de que vários sectores e em particular a engenharia muito necessitam.
Muitos estudantes que deixam a escola ao fim do 9º ano (escolaridade obrigatória) ou do 12º ano, entram no mercado de trabalho sem qualquer qualificação profissional, o que, além de maior dificuldade em encontrar emprego, cria, por vezes, frustrações em quem se vê obrigado a ir fazer no seu trabalho, quando o encontra, uma formação que não possuía. Por esse motivo se considera importante para a engenharia - e não só... - uma generalização do sistema que se propõe.
O ensino básico - obrigatório - deve poder ter, a partir do início do 5º ano, duas vias.
Terminado o 4º ano, teremos a possibilidade de seguir a via central, que visa, essencialmente, a preparação para a universidade, ou uma via profissionalizante que dê, ao fim do 9º ano, uma profissão. É muito vasto o elenco de profissões, cada uma com o seu curriculum próprio. Naturalmente, cada escola apenas poderá oferecer um certo número desses cursos, dependendo das infra-estruturas e do pessoal disponível.
Terminado o 9º ano profissionalizante (válido como escolaridade obrigatória) o estudante possuirá uma profissão e poderá entrar imediatamente no mercado de trabalho em melhores condições do que com o 9º ano "académico".
Mas o sistema não deverá impedir ninguém de prosseguir os seus estudos e o diplomado com o 9º ano e uma profissão pode seguir uma de duas vias. Uma é continuar na via profissionalizante para um nível profissional mais elevado, até ao 12º ano, que lhe permitirá entrar directamente no mercado de trabalho, a esse nível. A outra é fazer um ano lectivo adicional, em que aprenda as matérias que teve de sacrificar para aprender uma profissão e entrar seguidamente no 10º ano da linha central.
A partir do 9º ano, na linha central, pode igualmente seguir uma de duas vias. Ou a linha central, até ao 12º ano, ou a linha profissionalizante que lhe dê, ao completar o 12º ano, uma profissão a esse nível.
Também deste ponto poderá, se desejar voltar à linha central para acesso à universidade, fazer um ano lectivo que lhe dê as matérias que teve de sacrificar para aprender uma profissão.
* Engenheiro Agrónomo, Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado
Publicado na "Ingenium" (Revista da Ordem dos Engenheiros) Nº 65, Fevereiro 2002