HINO A UM VELHO LEÃO
Recusaste a partilha do jardim corrompido,
E regressaste à selva profunda, tua casa,
Fiel ao faro que sempre te guiou.
Só quem te não conhecia!...
Acreditou que as presas servidas em bandeja
Seriam engodo para um leão de peleja.
Só quem te não escutava!...
Admitiu que o opíparo banquete
Afogaria teu instinto natural de rei.
Minguada toga queriam para minha juba!
- Assim desabafavas para teu séquito,
No deslumbramento do teu dilecto jogo de espelhos.
Eis que as trombetas anunciam guerra implacável
Ao leão insurrecto e obstinado contra a grei instituída.
A selva já não é como outrora o reduto intransponível,
Nem o séquito leonino ostenta já a força imperecível.
Mas o fero rugido é ainda desassossego nas cercanias.
Arma-se a cilada e disparam-se tiros fatais.
Breve é a agonia do velho leão, mas seu estertor
É ainda terrível calafrio para seus algozes.
Extingue-se assim uma indómita natureza de ser,
Olhos vidrados na luz do crepúsculo,
Talvez adormecidos no horizonte de um sonho...
A selva veste-se de luto na tarde fatídica,
E as hienas rompem em lúgubre pranto
E os pássaros silenciam seu canto,
Em homenagem ao seu velho rei!
Tomar, 24 de Fevereiro de 2002
NOTA EXPLICATIVA: Este poema é dedicado a Jonas Malheiro Savimbi, como parece fácil de entender. Não é seguramente um hino ao seu percurso político-militar no pós-independência de Angola. Esta figura deixa atrás de si um comprometedor rasto de morte e destruição. No entanto, muita coisa só a história irá mais tarde esclarecer, quando assentar a poeira dos acontecimentos e oferecer-se uma leitura plácida e fria de todas as circunstâncias que enformaram a vida do povo angolano no difícil percurso da consolidação da sua independência. Savimbi iniciou a sua actividade guerrilheira em 1966, no Leste de Angola, mais precisamente na região da minha primeira comissão militar. Participei em acções militares contra as forças do partido do Galo Negro. Verifica-se a curiosa coincidência de ele ter sucumbido exactamente na mesma zona (algures entre Lucusse e Luvoei). Tudo isto confere-me uma certa cumplicidade com esta figura. Cumplicidade que resulta de uma mescla de sentimentos: mágoa pela forma trágica e inglória, porventura desnecessária, como chega ao fim; admiração pelo invulgar valor da sua liderança carismática, da sua coragem física e da sua inteligência e argúcia. À comodidade do poder que lhe fora oferecido, preferiu a incómoda, sacrificada e arriscada vida de soldado. Sempre junto dos seus homens! Isto não pode deixar de sensibilizar um militar como eu. Daí o sentido deste poema...