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A bem da Nação

BURRICADAS nº 68

 

uma trapalhada, ou talvez não (V)
 
v      A revisão em baixa da notação de risco atribuída por uma Agência de Rating ao BPP (em 13/11/2008) lançou todos numa lufa-lufa [Atenção, Leitor! em assuntos de finança as datas são, quase sempre, a chave do enigma]:
-             Os Clientes a levantarem depósitos e a resgatarem investimentos (desde meados de Novembro de 2008);
-             A Administração do BPP a pedir ajuda ao Governo e ao BdP (em 24/11/200);
-             O BdP a exigir do BPP um plano de saneamento e recuperação (em 25/11/2008);
-             O Conselho de Administração (CA) do BdP a reunir-se, a desoras, extraordinariamente, para elaborar o parecer solicitado pelo Governo, para dar ao BPP uma nova Administração e para pôr cá fora um Comunicado (em 01/12/2009);
-             O Governo a despachar (em 01/12/2009);
-             E um Secretário de Estado a responder às perguntas ansiosas de uns quantos deputados na Assembleia da República (em 02/12/2008).
v      Propunha-se o Governo conceder o aval do Estado a um empréstimo de € 450 Milhões destinado a reforçar a tesouraria do BPP e fixar o destino que deveria ser dado a esse empréstimo (“fazer face a responsabilidades (...) registadas no Balanço do BPP à data de 24/11/2008”).
v      Isto no final de longos considerandos de índole geral sobre: “uma crise de confiança que impede o funcionamento do mercado interbancário”, “a necessidade de salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional” e “a manutenção da credibilidade do sistema bancário português no contexto internacional”. Nem sequer a Constituição foi esquecida, ao serem invocados os “fins do sistema financeiro nacional” (para memória futura: a formação, a captação e a segurança das poupanças, etc.).
v      Mais relevantes para o caso são as referências aí feitas: ao “cumprimento (num período intercalar) das responsabilidades do passivo [uma redundância, sinal evidente de que o Despacho foi redigido um tanto à pressa, pois o que se queria visar eram, tão-somente, as dívidas firmes contabilizadas “no Balanço”] do BPP para com os respectivos depositantes e outros credores”; à “protecção dos depositantes e outros credores”; e ao facto de as “responsabilidades extra-patrimoniais ou outras decorrentes de outras actividades ou serviços financeiros prestados, directa ou indirectamente, pelo BPP” ficarem excluídas do uso a dar ao empréstimo que o Estado estava a garantir. [As responsabilidades extra-patrimoniais também são designadas frequentemente por responsabilidades “fora do Balanço”, ou “extra-Balanço”; ao tempo, eram responsabilidades “fora do Balanço” as fianças prestadas, mas ainda não reclamadas, as contas a prestar por mandatário, etc.].
v      Ao mencionar expressamente que “entre os clientes de depósito do BPP se encontra um conjunto alargado de clientes institucionais do sector financeiro” o Despacho governamental, por um lado, não prenunciava nada de bom para os restantes depositantes, mas, por outro, tornava mais difícil perceber como é que a situação em que o BPP se encontrava, e as tais “outras actividades” a que se dedicava, tinham passado despercebidas aos Supervisores (CMVM e BdP), pelos vistos apanhados de surpresa.
v      Por seu turno, o próprio texto deste Despacho, em vez de cultivar uma clareza meridiana (como a gravidade do caso, aliás, impunha) era algo ambíguo:
-             Ao taxativo e abrangente “(fazer face) às responsabilidades” preferiu o indefinido “a responsabilidades” - o que, de algum modo, tirava força e alcance ao tom peremptório dos considerandos, dando a quem tivesse de o executar margem de manobra suficiente, e protecção bastante contra eventuais alegações de arbitrariedade;
-             Em vez de “(responsabilidades) exigíveis à data de 24/11/2008” (só essas deveriam ser, ou estar pagas na referida data), optou por “registadas no Balanço à data de 24/11/2008” - o que afastava, desde logo, tanto as responsabilidades que decorressem da gestão fiduciária de carteiras (entre outras situações), como todas as dívidas firmes (por exemplo, depósitos, mas não só) que, por lapso, conflito pendente ou simples atraso na contabilização o BPP, à data, ainda não tinha lançado nos seus livros (o que, a acontecer, não deixaria de ser causa de impugnação por parte de quem se visse prejudicado por umas circunstâncias a que era, de todo, alheio).
v      Há que sublinhar, porém, a rapidez imprimida a todo este processo: o parecer do BdP estava pronto às 23h30 do dia 01/12/2008 (a hora a que a reunião do CA terminou, segundo a respectiva acta que foi aprovada em minuta), ainda a tempo de o Despacho governamental ser assinado e datado desse mesmo dia (foi publicado a 04/12/2008).
v      Estranhamente, nem o Comunicado do BdP, nem o Despacho governamental, nem as declarações do governante fazem a menor referência à decisão que mais polémica viria a causar daí em diante. Refiro-me, como é bem de ver, à “dispensa temporária do cumprimento pontual (pelo BPP) das obrigações anteriormente contraídas” (na linguagem arrevesada dos nossos legisladores) – vulgo, congelamento de contas (mas que pode não ficar pelas contas de depósito).
v      E a omissão é tanto mais estranha quanto: a ajuizar pela acta aprovada em minuta, essa decisão teria sido tomada também na referida reunião; o BdP, dias mais tarde, veio considerar que a citada dispensa vigorava desde 01/12/2008; enfim, por se tratar de um acto administrativo que, pelo facto de atingir imediatamente direitos de terceiros, teria de ser publicado antes de entrar em vigor (ainda que a lei que rege as Instituições Financeiras seja omissa quanto aos deveres de publicação que impendem sobre o Supervisor; em linguagem simples, o BdP, enquanto Supervisor, não tem de “dar cavaco” a ninguém daquilo que faz, ou que deixa de fazer).
v      E é mais estranha ainda porque o BdP faz exarar em acta a sua especial preocupação com as actividades de gestão fiduciária a que o BPP se dedicava: por um lado, atribui à novel Administração do BPP a incumbência de “analisar cuidadosamente o exacto alcance das obrigações assumidas pelo Banco” no âmbito da gestão de patrimónios (leia-se: gestão fiduciária de carteiras de valores); por outro, dá grande ênfase à dispensa do cumprimento, pelo BPP, dessas tais obrigações.
v      Mas a estranheza superlativa vai para a contradição de, na mesma reunião, se decidir:
-             Suspender, com efeitos à primeira vista imediatos (isto é, a partir de 01/12/2008), o cumprimento, pelo BPP, das obrigações a que estava sujeito (o que só pode significar obrigações “perante depositantes e demais credores”, já vencidas ou à medida que se fossem vencendo); e
-             Dar parecer favorável sobre o aval do Estado a um empréstimo destinado, precisamente, a permitir que o BPP honrasse essas mesmas obrigações cuja suspensão se decretava (conforme se lê nos considerandos do Despacho governamental e em parágrafos soltos daquela minuta de acta).
v      Pelo que se ouve, os € 450 Milhões não chegaram para saldar todas as dívidas exigíveis à data de 24/11/2008. E, perante a força dos factos, a Administração do BPP, em vez de ratear, decidiu privilegiar uns [depositantes? credores preferenciais? credores comuns? não se sabe], pagando-lhes por inteiro - e ignorar todos os demais. Ainda hoje não é público: qual era o total das dívidas vencidas naquela data; quem foram os credores brindados e quanto receberam; quem foram os credores preteridos e quanto ficou por lhes pagar; que critérios inspiraram a Administração do BPP para privilegiar uns e ignorar outros.
v      É no que dão as pressas. Mas o certo é que, primeiro, pagou-se a uns quantos e, só depois, se fez entrar em vigor a dita “dispensa”. Tudo no mesmo dia (01/12/2008) – melhor, noite dentro. É obra! (cont.)
 A. Palhinha Machado

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