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A bem da Nação

POSTAIS ILUSTRADOS XXXVI

 

UM VELHO CONCEITO DE DEMOCRACIA
UMA NOVA RESISTÊNCIA
 
a hemeneutica dos amigos
consiste em respeitar os
silêncios do outro, A Lâmpada
de Aladino, de Luis Sepúlveda[1]
pág. 14, Porto Editora, 1ª Edição.
Outubro 2008
 
 
 
Recuso-me a debitar aqui um conceito universal de Democracia que todo o mundo conhece, inclusive, a sua origem etimológica grega, mas recordo um que vem dos confins da civilização romana, expresso por um ilustre jurisconsulto romano, Sálvio Juliano, séc. II a.C. que nos diz que (e cito de cor): “as leis só são leis por terem sido introduzidas pelo Povo”.
 
Só que este conceito de Povo, vindo de quem vem, não épropriamente o de população em geral nascida e criada num determinado espaçogeográfico, designado território, despido de preconceitos que envolvam julgamentosde valores económicos e morais de castas, raças, cores de pele, ideologias e religiões.Os conceitos são a base dos preconceitos e valem o que valem.
 
Também poderíamosentrar por noções de Povo, como a noção marxista, que se resume à matriz de que doPovo fazem parte só os explorados pelo capitalismo e pelos patrões e de que estesnão são dignos de fazer parte daquela massa anónima dos desvalidos e espoliados davida, numa leitura tacanha e redutora das teorias marxistas.
 
Não compreendo comono séc. XXI alguns seres inteligentes, ditos mais ou menos cultos, pelo menos serão,segundo julgo, informados, ainda vão na conversa de que para existirem uns, osoutros têm de ser afastados ou eliminados do teatro das decisões de que todos nós, esublinho todos nós, sem excepção, temos o direito de fazer parte. Isto leva-nos aoconceito de Povo de Almada Negreiros que li, recentemente, num blog: “O Povocompleto será aquele que tiver reunido todas as qualidades e todos osdefeitos. Coragem portugueses, só nos faltam as qualidades!”.
 
O que Almadanos quis transmitir não carece de tradução! O Estado da Nação Portuguesa é o pior,com as devidas proporções e épocas, que alcançámos desde a fundação daNacionalidade, com o tratado de Zamora. Não sei o que é feito dos portugueses deantanho! Até as feras libertadas, saídas do cativeiro opressor e do domínio do chicoteimpiedoso, reagem e procuram uma selva melhor para viverem a sua liberdade; nós,ao contrário, deixámo-nos manipular, por inércia e falta de convicção, e enredámo-nosnuma teia difícil de desfazer, continuando na mesma selva.
 
A grande noite fascista,expressão tanto ao gosto dos inúmeros patriotas e lutadores pela liberdade surgidosda sombra do day after, já não é desculpa nem consolo para ninguém. O domínio dopoder está bem explicado nas teses marxistas e aproveitando a importação desta e deoutras culturas, trazidas por alguns, entre outros, regressados do exílio, criámos umanova classe de “estrangeirados” na sociedade portuguesa, importando e plagiandoexperiências e teorias sociais de outros povos, nem sempre as mais positivas [2] e nãosoubemos ser originais e acrescentar dados pessoais genéticos e sermos nós próprios,aproveitando a originalidade da Revolução dos Cravos, que eram vermelhos, laranja,cor-de-rosa e agora não têm cor; criando uma sociedade não importada, masgenuinamente nossa. Aprendemos nada com a queda do comunismo (do velhocomunismo) e do Capitalismo (também o velho), quedas que foram fruto, uma eoutra, da ganância pelo poder: o político e o económico. No fundo voltámos ao velhoMarx...
 
Há que levar a cabo um novo conceito de Democracia, até agora o sistema que provou ser o mais adequado à participação colectiva do nosso destino. Para isso há que iniciar uma nova resistência, provinda da base popular e que altere para já o modo como elegemos os nossos representantes. Eles terão de passar pelo escrutínio dos cidadãos que os conhecem, na base residencial, e subir, por escalões alargados, até ao órgão que nos representa em primeiro lugar: A Assembleia da República! A chamada eleição uninominal. É tempo de dar rosto e sabermos quem são os eleitos que nos representam directamente, para lhes podermos bater à porta e lhes pedirmos contas do que fazem em nome de todos.
 
Os partidos políticos são necessários, mas terão de se renovar e agilizar as premissas do sistema político e tornar as eleições dos eleitos, mais fiáveis quanto a quem nos representa, se não quiserem ser ultrapassados pelos movimentos populares dos não-alinhados, previstos constitucionalmente.
 
Urge consolidar a Regionalização, cujo processo já foi tirado e guardado na gaveta[3] várias vezes e urge alterar a Constituição da República que só serve os interesses hegemónicos de alguns não muito interessados em dar um novo rosto à democracia portuguesa e que apenas pretendem continuar comodamente sentados à mesa do Orçamento, defendendo o seu “status quo”.
 
Carecemos de uma nova resistência civil, através de movimentos populares e organizações populares de base, não enfeudadas partidariamente, que se oponham a que continuemos a bater com a cabeça na parede e nos encaminhe para o lugar certo, onde os sacrifícios não sejam pedidos sempre aos mesmos...
 
Aos partidos cumpre compreender e assimilar esta realidade de um futuro próximo, renovarem-se e empreenderem rapidamente, sem hesitações, uma participação activa e nacional na transformação tranquila, mas inevitável, da sociedade portuguesa, em vez de curarem do seu umbigo, deixando-se ultrapassar pelos movimentos que irão surgir em resposta ao legitimo descontentamento geral.
 
Sonhar que dispomos de uma lâmpada de Aladino que esfregada três vezes nos resolve milagrosamente o problema, que é essencialmente político e deve ser tratado por iniciativa e decisão política, é a mesma coisa que acreditar que a galeria de ditadores, que a História Universal nos oferece, é uma mistificação dos historiadores e que o incêndio de Roma, o holocausto, os genocídios e os crimes contra a humanidade não existem nem nunca existiram.
 
 Luís Santiago
 
[1] Luis Sepúlveda, Chileno. Ovalle-1949.
[2] Não seguimos os exemplos da descolonização inglesa, francesa e holandesa. Foi tudo feito em cima do joelho, com graves prejuízos morais e materiais para os portugueses que se encontravam nos territórios sob administração portuguesa;
[3] A Regionalização se interessasse verdadeiramente aos políticos e aos partidos já tinha sido posta em prática há muito tempo...

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