Curtinhas nº 74

v Desta vez foi um tornado que destruiu estufas e arruinou culturas, com o costumeiro day after: agricultores a reclamarem mais apoios públicos; o Governo a não perder o ensejo para distribuir uns dinheirinhos, como se vasculhasse no seu próprio bolso; políticos à boleia das circunstâncias; e o preço de tudo o que seja primor da horta a disparar.
v Ano após ano, por causa da chuva ou do vento, da seca ou do granizo, da geada ou de pragas várias, o guião é sempre o mesmo. E todos, sem excepção, dizem-se apanhados de surpresa, como se estes fenómenos (moderadamente) extremos da Natureza fossem, entre nós, raridades: Quem diria? Como poderíamos prever? Pobres de nós, que perdemos tudo!
v Não ocorre a ninguém juntar as pontas e tirar a evidente conclusão: se uns sofrem perdas, os outros, aqueles que a Natureza poupou, aproveitam a oportunidade, tiram partido da escassez ocasional, sobem os preços e arrecadam mais uns patacos - estes sim, completamente inesperados (apenas, porque, nesta lotaria anual, foram eles agora os poupados).
v São, porém, comerciantes por grosso, distribuidores e retalhistas quem mais lucra com tudo isto.
v E, como não é menos evidente, lá está o cidadão comum a pagar em dobro: enquanto consumidor, paga os frescos mais caros; enquanto contribuinte, vê voar em subsídios alguns dos seus impostos.
v Tabelar preços? Como, se a escassez da oferta é um facto, ainda que temporário, e do tabelamento nenhum benefício resultará para os agricultores atingidos (mas vai alimentar o mercado paralelo que, ingrato, continuará a não pagar impostos)?
v Liberalizar importações? Mas se elas já estão totalmente liberalizadas (e encontrar quem substitua de pronto a produção perdida não se faz de um dia para o outro)?
v Lamentar a fatalidade e cruzar os braços até à próxima? Certamente que sim, pois quem acaba por pagar tudo (o cidadão consumidor e contribuinte) nunca aparece a barafustar nos telejornais.
v E que tal pôr um pouco de ordem neste desacerto a que a Natureza, estou em crer, deve assistir com ar galhofeiro? Por exemplo, instituindo uma Seguradora dedicada (captive):
- Para cobrir danos emergentes (as estruturas destruídas) e lucros cessantes (a produção perdida) que os agricultores (e só esses, porque o seguro seria voluntário; os restantes ficariam por sua conta e risco), Segurados e Tomadores do Seguro, registassem por efeito directo de condições meteorológicas adversas (tecnicamente caracterizadas);
- Com os agricultores Segurados e os 1ºs Compradores destes produtos (incluindo Importadores, Cadeias de Distribuição e a Indústria da 1ª transformação) também como Tomadores do Seguro (isto é, a pagarem prémios) por serem estes que, ao que tudo indica, mais proveito tiram dos sobressaltos da Natureza;
- Com o Governo a fazer o que lhe compete: organizar um mercado para a 1ª transacção dos produtos agrícolas (isto é a venda do produtor aos canais de comercialização);
- Com o Estado, hélàs! a assumir o papel de financiador de último recurso (através de dotações reembolsáveis) nas indemnizações por prejuízos considerados catastróficos (tecnicamente caracterizados).
v Uma Seguradora capaz de supervisionar as estruturas agrícolas e as técnicas agrícolas dos agricultores Segurados, de modo a elevar o patamar das condições meteorológicas consideradas adversas e catastróficas.
v Estou ciente de que o prémio deste Seguro não deixaria de se reflectir no preço final das frutas e legumes, (e, porque não? dos cereais, da carne, do peixe, etc.). Mas o grosso do esforço financeiro com indemnizar recairia sobre o consumidor e seria diluído ao longo do ano (e dos anos); não de uma só vez, e de supetão, sobre o Orçamento do Estado.
v E também não ignoro que esta solução, para ter um mínimo de eficiência, teria de ser construída sobre Mercados da 1ª Transacção dos Produtos Agrícolas bem organizados – coisa que não existe e que ninguém parece sentir-lhe a falta.
Fevereiro de 2010