UM PORTUGUÊS NA ANTÁRTICA – 4
Finalmentes e considerandos
Despertar, no “Ari Rongel” às sete e pouco, porque nos esperavam em terra (fria!) para o “matabicho” – café da manhã no Brasil e na Antárctica! Noite bem dormida, por todas as razões e até porque a véspera havia sido pesada!
Visão da nossa estação quase integralmente coberta de neve! Pouco mais que telhados de fora, lá vamos escada abaixo para o bote nos levar a terra. Físico recomposto, a descer, foi fácil.
Recebidos pelo chefe da Estação, Comandante Glénio e sua equipa, a visita às instalações foi um refrigério, passe a temperatura do clima, até porque lá dentro não havia frio. Refrigério porque é muito bom vermos que no Brasil tanta coisa funciona de modo impecável. Não me consigo conter sem dizer que isto só se passa à revelia do governo. Deo Gratias!
A Estação Comandante Ferraz como deveria estar (a neve)
... e como estava!
A sala, os dormitórios, os laboratórios, as oficinas, o ginásio, a casa de máquinas, o “supermercado”, um tanto desfalcado ao fim de quase um ano, mas onde estavam agora a chegar os convenientes reforços, tudo muito bem arrumado e organizado. O sistema de esgotos impecável. Dá prazer e orgulho ver tudo ali funcionar em magníficas condições, mais ainda sabendo do trabalho e sacrifício que isso exige.
Nesta altura do ano a neve deveria já ter baixado ao nível dos alicerces dos edifícios, mas, tal como na Base chilena, praticamente cobria os telhados. A entrada principal tinha uma espécie de poço cavado em escada para se poder entrar! Basta ver o ar tranquilo desta skua, deitada mesmo em frente da porta, e que à nossa passagem, a menos de um metro de distância, nem se dignou olhar para nós!
A skua... numa boa!
Esta skua vive à custa da Estação. Bela ave – catharata skua – chega a ter 1,40 de envergadura de asas, e voa facilmente no meio de tempestades, mas sem vento tem dificuldade em levantar vôo! Na Estação sempre aproveita um ou outro pedaço de comida que lhe dão, e então, cansar-se a pescar ou roubar ovos... para quê? Deve ser também da família do Zelaia!
Quando ela voa, é imponente!
Os pinguins deveriam estar de férias porque nem unzinho se dignou aparecer, assim como baleias ou focas.
Quando da instalação da Estação, lá estava um pinguim inspeccionando os trabalhos!
Pássaros, raros, a não ser esta hóspede skua, e leões marinhos um só de quem tentei me aproximar para o ver mais de perto, mas além do gelo estar extremamente escorregadio e irregular, o que me ia fazendo levar um tombo, fui aconselhado a não incomodar sua excelência, porque quando se zangam correm atrás da gente. E 300 quilos a pegar no meu pé... O tranquilão levantou a cabeça como a dizer-me “não vem encher”, e eu, não fui!
Ao fundo, à direita, o tranquilão!
Foi muito gratificante a visita à Estação Antárctica Comandante Ferraz, de quem trouxemos uma recordação de simpática atitude do Comandante.
Antes do almoço reembarque no navio, só que desta vez de helicóptero. Outra mordomia, que tem ainda a vantagem de se dar, mesmo pequena, uma volta por cima daquela área. Tudo é uma beleza.
E agora o “Ari Rongel”. Navio com 73 metros de comprimento e 70 tripulantes, do comando do CMG Capetti, tudo gente atenciosa, além da boa capacidade de carga e do transporte do helicóptero ainda tem acomodações para 22 pesquisadores, e lá estava uma leva deles, da UFRJ com seu professor.
O navio "Ari Rongel"
Viagem de retorno até à Base chilena cerca de 3 horas, por vezes abrindo caminho no gelo, durante a qual tivemos o prazer de compartilhar um belo almoço, com vinho, é evidente, e novamente o desembarque foi feito de helicóptero. Bem melhor do que na ida!
O helicóptero, ainda a bordo, já a aquecer os motores, vendo-se a esteira deixada no gelo
Durante este dia o “nosso” Hércules tinha andado a fazer treinamento de novos pilotos para se habituarem àquele magnífico aeroporto congelado, e com o dia a chegar ao fim, embarque de volta a Punta Arenas, onde ficaríamos todo o dia seguinte para que o mesmo avião estivesse a abastecer a Estação.
Despedida!
O avião correu mais uma vez por aquela pista gelada, seguro, e em poucos minutos já nada mais se via daquele continente!
Essa noite e mais todo o seguinte “dia livre” trouxe algumas vantagens: as que já referi, como a visita a La Pinguinera e à própria cidade, e o tempo que dispusemos para melhor nos conhecermos. E foi muito gratificante.
Não posso lembrar aqui todos os companheiros de viagem com quem mais me identifiquei, mas também não posso deixar de agradecer a todos aqueles que mais me sensibilizaram pelas suas personalidades fortes, conhecimento e sobretudo simpatia, que essa foi geral.
Recordo com amizade o Ministro Flávio Bierrenbach e suas oportunas intervenções sempre cheias de um delicioso veneninho e de profundos conhecimentos, em todas as áreas sobre que conversávamos, mormente na área da aviação de que é um experimentado piloto com mais de 6.000 horas de vôo, e continuando a voar, o General Aléssio Ribeiro Couto, pára-quedista, uma bela folha de serviços, modesto, porém muito culto, alegre e muito atencioso, o Dr. Paulo Leite Lacerda para quem tudo parece estar sempre bem e é uma agradabilíssima companhia, o Reitor de UFRR Professor Roberto Santos Ramos com quem tive bela troca de impressões, algumas delas enquanto voávamos com os pés congelados, mas que me fez saber o trabalho sensacional que a sua Universidade está a fazer com os índios da região, alguns deles já diplomados, e que me desafiou a assistir à próxima graduação a que eu não irei só se estiver já louco de todo (deve faltar pouco!), a Assessora Parlamentar Stephania Serzaninck, sua simpatia e seu sorriso ao ouvir os meus ácidos comentários sobre políticos, o Comandante Paulo também Assessor Parlamentar, o engenheiro Rómulo Barreto Mello, Presidente do Instituto Chico Mendes, com quem me confundiram, o tranquilo André Cabral de Sousa, a Joana da Oi que me emprestou o seu telefone para dizer para a minha família que ainda estava vivo, e, evidente os que me proporcionaram esta aventura inesquecível.
Vou começar pelo CMG Parpagnoli, o único que conseguia dormir dentro do avião durante todas as horas de vôo, aconchegado no seu revestimento natural um pouco inflado, mas que a todos tratava com lhaneza e amizade de longa data, o Almirante e meu xará Francisco Ortiz, Chefe do PROANTAR, outro companheiro alegre e simpático, e para terminar o responsável directo da minha participação, um amigo de há uma dúzia de anos, co-autor de um livro que ainda não escrevemos, mas que está “muito pensado”, que considero hoje da minha família, o Comandante José Robson Medeiros.
A este em primeiro lugar e a todos os outros, mesmo aqueles que não referi, obrigado pela aventura e pelas amizades, que são dons preciosos.
Ficou uma imensa vontade de repetir a dose! O que vale é que sonhar ainda é barato, e a vida em qualquer momento nos pode trazer outra surpresa! Porque não?
Rio de Janeiro, 26 de Novembro de 2009
Francisco Gomes de Amorim