Fogos
Se faltasse ainda uma última prova de que para nós, portugueses, não há risco, há fatalidade, os incêndios que, ano após ano, recorrentemente, abrasam o nosso campo aí estariam para a fornecer. Se houvesse consciência do risco, não se chegaria ao Verão com massas combustíveis contínuas, do solo às copas e das copas às casas, por toda a parte; não seria só a caminho do fogo que se descobriria que os estradões, afinal, estão intransitáveis ou, simplesmente, desapareceram (se é que alguma vez existiram); não se choraria de impotência perante manchas florestais extensas e homógeneas, onde travar a propagação das chamas é práticamente impossível sem o concurso benigno da meteorologia; não se salpicariam as chamas com uns pingos de água que custam oiro, mas era-se capaz de encharcar as linhas de corta-fogo, as quais estariam certamente mantidas em boas condições, a preços módicos; não se gastariam esforços e meios para apagar os incêndios, porque os incêndios apagam-se por eles próprios, mas agir-se-ia segundo esquemas bem treinados, no sentido de defender aquelas linhas de propagação susceptíveis de causar os maiores danos; não se improvisaria com grande generosidade, mas praticar-se-ia o que se sabe de antemão dar certo. Hélàs! como só conhecemos a fatalidade rezamos para que nada de mal nos atinja, mas se nos atingir, uns quantos sacrifícios expiatórios deixam-nos a alma como nova - até ao ano seguinte (rezar, neste contexto, pode muito bem ser qualquer ritual propiciatório - por exemplo, a publicação no DR de diplomas que ninguém parece ter o dever de fazer cumprir, lá, naquele terreno que amanhã arderá).
É certo que há mais "notícia" na tragédia dos grandes incêndios que na análise do que esteja pensado para os prevenir. Tal como é mais apelativo acompanhar bombeiros e populares em combate desigual com as chamas, que acompanhar a acção de quem tem o dever de, a tempo e horas, prevenir a ignição e conter a propagação dos fogos. Outras sedes têm uma tal obrigação. Mas como já sabemos "o que essas casas gastam", chamemos a nós a tarefa de não os esquecer nos dias em que ainda não ardem quando estão, apenas, a ser "viabilizados" pelo desleixo.
A.P.Machado
Set2003