UM PORTUGUÊS NA ANTÁRTICA - 1
IMPRESSÕES... CONGELADAS!
Já diversas vezes escrevi sobre “Amigos”. Mas quando se atinge uma (provecta) idade e não só se mantém como se aumenta o número de amigos, e que todos eles são cada vez mais chegados, mesmo quando vivem longe, há que louvar a Deus e agradecer-Lhe esta bênção!
Dia5/Nov. – recebo um e-mail: “Como não o encontrei on line, p.f. ligue para o meu telefone...”
Assim que li a mensagem chamei. Só à noite consegui ligação, e lá surge a voz dum amigo, querido, que vive em Brasília, sempre atarefado. Após a troca nas normais saudações e saber das respectivas famílias, diz-me:
- Queria convidá-lo para ir a um lugar onde você nunca foi! Está preparado para isso?
A primeira coisa que me ocorreu, já que ele estava a chegar ao Rio, foi que me estaria a convidar para nos encontrarmos nalgum novo restaurante. De qualquer modo a resposta foi rápida:
- Sempre pronto! Mas que lugar é esse?
- Antárctica.
Eu sabia que este amigo, Comandante da Marinha, há já talvez dois anos, Sub Chefe do Programa Antárctico Brasileiro (PROANTAR) era o responsável pela Logística e Operações da Estação Antárctica Brasileira Comandante Ferraz. Assim que o soube neste cargo, lhe dissera que, “quando tivesse uma vaga... me levasse até lá”! Nunca mais havia pensado nisso e de repente a tal “vaga” surge!
- Quando vamos?
- Talvez dia 21; amanhã lhe telefono com mais detalhes. Agora tenho que desligar!
Fiquei parado a pensar na maravilha da possibilidade que se me deparava!
Dia 06 à tarde liga o amigo:
- É um pouco chato avisá-lo assim de repente mas para ir, é amanhã! O que acha?
- Eu vou até agora à noite! O que tenho que levar? Roupa, etc.?
- Roupa nós fornecemos, só tem que levar passaporte, carteira de identidade e xerox de ambos os documentos. E estar amanhã às 07H30 no Aeroporto do Galeão Velho, a Base Aérea, no Terminal de Passageiros do Correio Aéreo A viagem não é em avião comum. Vamos num Hércules C 130, militar, com uns assentos... meio incómodos.
- Maravilha!
Preparei uma pequena mala, alguma roupa menos carioca e no dia seguinte lá estava eu, à hora exacta prevista, com mais cinquenta, entre convidados e membros da PROANTAR. Um ministro do STM, um general, almirantes, brigadeiros, o reitor da Universidade Federal de Roraima, assessores parlamentares, comandantes da Marinha de todas as graduações, sargentos e marinheiros, técnicos para revisão dos equipamentos mecânicos e electrónicos da Estação Antárctica, além de outros convidados especiais. E, evidente, o meu amigo.
Abraços, algumas apresentações, um ligeira burocracia com os passaportes, que eu nem tive porque a organização tem um oficial que se encarrega disso – simpática e eficiente esta oficial – um pequeno briefing dando as coordenadas e etapas dos voos, e aí vamos nós para o Hércules. Lugares marcados para evitar confusões, directos a Pelotas, primeira escala.
A bordo a primeira surpresa: a comissária de bordo! A “tia” Alice, uma fantástica jovem de 82 anos, alegre, sempre preocupada com o bem-estar dos passageiros que fazia a sua 176ª viagem à Antárctica!
À chegada a Pelotas – temperatura de 5º mas com sensação térmica de 1º! - foram-nos entregues as roupas especiais, botas, capuz, etc. para o frio austral. A seguir almoço onde começa a descontracção entre os parceiros de viagem, sobretudo pela partilha de algumas garrafas de magnífico vinho, chileno, é claro!
Escala importante esta por várias razões: a primeira porque foi onde nasceu o meu avô! Talvez mais do que isso porque foi aqui que o pai deste, meu bisavô João Driesel Frick, reuniu em seu escritório, em 1869, a primeira Sociedade Abolicionista do Brasil, tendo nessa ocasião pago a libertação de quatro mulheres, e sobretudo pela visita ao Museu Oceanográfico Prof. Eliézer Rios, onde fomos recebidos pelo prof. Lauro Barcelo. Museu muito interessante pela recolha e exposição de espécimes, muito visitado por escolas e pesquisadores. O Museu dispõe ainda duma área de recuperação de animais marinhos, para cuidar deles e devolvê-los sãos ao seu ambiente. Todos os anos são centenas, às vezes milhares de pinguins que vêm visitar o Brasil... e aqui se juntam até que as condições permitam devolvê-los ao mar. Desta vez só lá restava um. Quando os visitantes se aproximaram do tanque onde nadava pacificamente, ficou animadíssimo e corria – nadava – rapidinho dum lado para o outro a olhar para cima e ver as caras dos amigos que acabam de chegar! Os amigos visitantes moviam-se e ele seguia-os! Simpático, como são todos os pinguins.
Ao lado outro tanque com um belo leão marinho que pesaria uns 300 quilos! Tranquilão, só saiu da água quando o professor o chamou. Arrastou-se, olhou à volta, sem se preocupar com os circunstantes e ali ficou a olhar “para a sua filosofia”!
Este bichinho tem uma história incrível. Chegou ali há 17 anos, recolhido, cheio de óleo, faminto. Foi tratado, alimentado e assim que estava em condições, devolvido ao mar. Não demorou a voltar. Mais uns dias e novamente levado ao mar. Mas o “leão” não estava disposto a ir embora e tentou várias vezes subir nas embarcações dos pescadores, virando algumas. Queria voltar para terra. Recolheram-no outra vez e ainda hoje lá está, “numa boa”, certamente feliz, alimentado, sem querer saber de mar para coisa alguma! Quando o professor terminou esta descrição do nosso hóspede, sai este comentário de um dos visitantes que estava a meu lado: “O Zelaya”!
Vejam bem a "cara" do Zelaya! Cansado de estar "numa boa"!
Tirando o gelo da Antárctica este foi um dos pontos altos de toda a viagem! E só podia ter saído duma mente clara e inteligente, o Ministro que nos acompanhou!
Ainda agora o “Zelaya” não me sai da ideia. Vejam bem o ar “zelayado” de quem está “na maior” a viver à custa do Brasil!
Antes de nos recolhermos ao hotel, para jantar, sempre honrando o vinho do país que nos ia receber, e passar a noite, fizemos uma rápida visita à Estação de Apoio Antárctico, onde entre outras coisas se guardam e cuidam das roupas que se emprestam aos visitantes, pesquisadores, etc. Um armazém imenso! Chama-lhe o C&A (para quem não sabe o que é: uma enorme loja de roupas que está em praticamente todos os shoppings do Brasil!)
Manhã seguinte, bem cedo, já semi-equipados para o frio que nos aguardava em Punta Arenas – 1ºC, mas sensação bem abaixo – de volta ao Hércules, vôo de 6 horas com céu quase sempre limpo, um miserável frio nos pés e uma bela vista sobre Montevideu, no Uruguai.
Continua...
Rio de Janeiro, 17 de Novembro de 2009
