Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A bem da Nação

ÉPOCA DE FÁBULA

 

 
Simone de Beauvoir
(1908 - 1986)
 
Tenho andado a ler um estudo sobre o existencialismo que me reconduziu a uma época áurea de leituras gratificantes da juventude -  “A Náusea”, “As Palavras” e as peças  de teatro de Sartre,  “L’Étranger” e “La Peste” de Camus, e a Simone de Beauvoir – oh! a Simone de Beauvoir! – a sua “L’Invitée”, as suas “Mémoires d’une jeune fille rangée”, seguidas de “La Force de l’Âge” – que tanta força de vida inspiravam, mostrando como uma jovem criada no mundo burguês convencional da sua família, se fora pouco a pouco rebelando e ganhando a sua própria liberdade na libertação dos preconceitos que aniquilaram a sua grande amiga Zaza, no gosto absorvente pela vida, na sua relação com Sartre, na criação de uma literatura poderosa na sua escrita despojada de artifícios formais e contudo plena de sinceridade e dignidade no uso da palavra rica e precisa.
 
L’Invitée servira-me mais tarde para confrontar a trama existencial do romance “Aparição” de Virgílio Ferreira, de expressão lírica, retórica, jogando com a metáfora e o simbolismo, a personagem central Alberto em dúvida existencial permanente, mau grado os prazeres que lhe confere o seu donjuanismo, em duas relações a três, uma terminada em assassínio, pelo ciumento namorado de Sofia, outra terminada na conversão pela fé da atribulada e estéril Ana, cujo marido, pouco literato mas amante da sua mulher a não deixará fugir, dando-lhe, pelo contrário, para criar, os filhos de um maneta que se suicidara, por não poder semear a terra.
 
Uma acção realmente pouco expressiva, forma de especular – tão liricamente – sobre as dúvidas e angústias existenciais – o significado do eu como essência, a problemática da vida e da morte – e simultaneamente de ironizar, pela caricatura desprestigiante, sobre uma sociedade preconceituosa vivendo em pacata cidade alentejana.
 
L’Invitée”, explorando idêntica problemática existencial, num universo de transfiguração e magia, com personagens densamente reais, o Amor e o Ciúme igualmente figurando como molas de uma acção exaustivamente descrita, para terminar no assassínio, por Françoise, da “convidada” Xavière que viera destruir o seu núcleo de harmonia com Pierre, assassínio assumido, como acto profundamente meditado, escolhendo-se a si própria, dentro da determinante existencialista de responsabilidade própria, sem necessidade de um Deus que justifique ou condene os actos de cada um, na ponderação de que cada homem  é aquilo que ele próprio se faz..
 
Outros mais livros li posteriormente de Simone de Beauvoir, sempre no entusiasmo por uma ficção que, mergulhando na própria experiência, transmite a verdade da vida que cada pessoa reconhece como sua, no seu horror e na sua autenticidade.
 
São, igualmente, universos de Sartre e de Camus os de um existencialismo – ateu - de assunção dos actos próprios, com maior criatividade romanesca, em todo o caso, que surgiram em aplicação da filosofia alemã e russa e serviram ao clima de tormenta vivido durante e no após segunda guerra mundial, no sentimento de um efémero cada vez mais efémero e absurdo, que apela à responsabilização pessoal, no egoísmo e na indiferença por valores defendidos pelos mitos sociais da burguesia.
 
Mas outras filosofias se impuseram.
 
Hoje em dia, no caos criado pelos desequilíbrios sociais, pelos excessos de abundância e progresso em oposição com os excessos da miséria e dos horrores de guerras sucessivas de destruição de gente e do ambiente, predomina a ideologia sem estruturação intelectual do “salve-se quem puder” parolo, e muito especialmente nos países com défice filosófico.
 
Os escritores existencialistas construíram a sua obra sobre fundamentos da sua filosofia inteligentemente estruturada, de especulação metafísica. Os povos, como o nosso, deficitários quer em valores económicos quer em valores intelectuais, usam o pragmatismo e o sentimento exclusivo do seu pobre ego, sem preocupação com o além, o aquém contando excessivamente, sem contas a prestar, figuras de fábula que os antigos tão bem souberam definir.
 
Estamos na época da fábula.
 
Berta Brás

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2006
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2005
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D
  274. 2004
  275. J
  276. F
  277. M
  278. A
  279. M
  280. J
  281. J
  282. A
  283. S
  284. O
  285. N
  286. D