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A bem da Nação

ELEIÇÕES

 

Os cargos, as distinções sociais, mesmo que não sejam compensados remunerativamente, causam sempre um natural prazer aos usufruintes das ditas distinções. Razão tinha o Frei Narciso do nosso Gil Vicente, o qual se defumava com palha centeia para que o rosto amarelo... dos sacrifícios lhe merecesse um bispado, ainda que do ilhéu de Peniche. De igual forma o agravado Cerro Ventoso desejava ser conde “siquer conde das Berlengas”. Era muito justo, já que havia outros com menos mérito, quererem ir ambos para Peniche ou para as Berlengas governar, e estou convicta de que o fariam com muita limpeza. Não governou Sancho Pança – e esse sem se defumar – a sua ilha da Baratária com mais justiça do que o próprio Salomão?
Quanta comoção devem, pois, sentir os doutores “honoris causa” ou os presidentes das Juntas, Conselhos ou Ilhéus de qualquer coisa, no momento em que são designados pela sua competência, o seu saber, a sua posição social, ou os seus ares pálidos dos jejuns!
Confesso que nunca me tinha apercebido do problema em toda a sua extensão, enquanto não foi extensivo à minha pessoa um cargo desses. Bem, não foi bem de presidente nem de conde das Berlengas, longe disso, mas foi um cargo muito útil para a sociedade de que faço parte e que me esforço por servir com coragem, dignidade e esmero, que é assim que devemos proceder, nós as células do agregado humano, para usar uma linguagem metafórica extraída do compêndio de Biologia.
Esta berlenga, aliás perlenga, foi na sala das eleições que a aprendi. Referiram-se ao eleito deposto com muitos elogios sobre a sua competência, zelo, dignidade e altruísmo tantas vezes demonstrados, embora presentemente depostos, porque voos mais largos o chamaram para colaborar na construção do edifício pátrio. Auguraram idênticas demonstrações por parte do eleito recente, cujas qualidades também já várias vezes tinham sido postas à prova e iriam continuar a sê-lo de certeza, até que outros voos o chamassem para a mesma construção.
Por sua vez o eleito recente elogiou a assembleia ilustre de que eu fazia parte penhorada e da assembleia passou à nação que se esforça e à pátria que a representa, com largos vivas, repercutidos na sala atenta e agradada. Toda a gente estava comovida, toda a gente se sentia útil e foi por isso que eu fiquei muito contente por também ter um cargo.
Foi como sucedeu há dias com a minha amiga Alice, com o seu ar “blasé” e indiferente aos mais. Chamei-lhe amigavelmente cínica e respondeu, satisfeita, que pela primeira vez tinha qualquer coisa na vida. Nunca tivera nada e agora, graças a mim, tinha um adjectivo. Como sou generosa, alegrei-me por ter fornecido um adjectivo à minha amiga.
Pois agora também eu me sinto muito feliz com o cargo que me foi fornecido e me dará a oportunidade de me tornar adjectivamente útil à minha pátria.
De facto, não há como as eleições para a gente criar o sentido das responsabilidades e das obrigações que nos incumbem, como obreiros de uma nação sempre em construção e progresso.
Berta Brás
in PROSAS ALEGRES E NÃO - Lourenço Marques - 1973

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