OS PASTORES
Neste mundo o que é preciso é saber impor-nos. Tenho reparado – mas de facto não cheguei sozinha a essa conclusão, discuto-a muitas vezes com a minha amiga Helena – que as pessoas de menos valia moral ou mental atingem mais facilmente os altos postos. E isso devem-no a estarem de bem com Deus. Alcançados os altos postos, as tais pessoas – os condutores do rebanho – tornam-se frequentemente menos cordiais para os subordinados. É vê-las em atitudes menos elegantes, até mesmo grosseiras, esforçando-se por ferir sobretudo aqueles em quem possivelmente reconhecem qualquer outra superioridade humilhante para elas, apesar do alto posto.
Sucede com os novos-ricos também. A profusa riqueza por estes alardeada deixa sempre entrever a ausência do requinte de origem.
É tão constante esta regra do indivíduo trepador tornar-se em breve déspota ou apenas deselegante, esquecido do seu ponto de partida humilde (ou demasiado lembrado dele), embora pleno da protecção divina, que a ninguém ela espanta, embora a todos indigne.
O porquê de uma sociedade constituída por espécimes assim, não o entendo eu e a minha amiga Helena tão-pouco, conhecedoras como somos de idênticas perplexidades num Eça ou num Camões.
O facto é que os indivíduos superiores pela sua correcção e elevação de princípios, raramente se deixam seduzir pelos cargos superiores preferindo a placidez tranquila do «honesto estudo».
Daí resulta que abundem cada vez mais destes pastores de varapau e apito e que o rebanho social se torne cada vez mais dócil…
Lourenço Marques, 1973
Berta Brás
In «PROSAS ALEGRES E NÃO», pág. 218 e seg.