NÃO É SÓ A LÍNGUA QUE NOS UNE

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É na forma como se iniciou a expansão lusa que encontramos a semente de amizade baseada na tolerância e mútua aceitação da qual a geração actual ainda colhe os seus frutos em todos os contactos que tem com as nações nascidas desta ligação. Esta não foi colonial, no sentido negativo que este termo hoje transmite, mas um casamento cultural e espiritual que privilegiava quem abrisse os seus braços para nos receber.
As más-línguas quinhentistas falavam da “Política da Cama” que os portugueses instituíram nos seus contactos com outros povos. Para nós, foi simplesmente o cumprimento do que era considerado natural. Tal como Alexandre o Grande viu com bons olhos o casamento dos seus generais com princesas de países subjugados, também D. Manuel I de Portugal permitiu que D. Afonso de Albuquerque desse estímulo e privilégios aos lusos que casassem com as “Pérolas do Malabar”.
Quando nos ensinam que Afonso de Albuquerque conquistou Goa em 1510 e Malaca em 1511, acentuam-se geralmente os milhares de quilómetros de distância entre estes dois pólos asiáticos e esquecem-se de nos transmitir que Portugal se encontrava, desde a queda de Bizâncio (1453), numa cruzada geral contra o Islão. Portugal não tirou Goa aos goeses mas ao Idalcão, um muçulmano. Os portugueses foram bem vindos e considerados libertadores. Em Damão deu-se o mesmo. Esta praça pertencia ao Rei de Cambaia que a perdeu por revolta de uma unidade militar muçulmana. Recebemos Diu por contrato, o mesmo acontecendo com a grande maioria das feitorias portuguesas que eram instaladas não por força das armas mas pelo reconhecimento recíproco das vantagens que daí surgiriam para todas as partes.
Não se deve pensar que toda a nossa expansão foi pacífica. Isto não corresponde à verdade. Todas as expansões de todos os povos têm páginas negras e o mesmo acontece com a nossa. Porém, não é comparável à de outras nações. Se observarmos o que aconteceu aos Aztecas no México, aos Incas no Peru ou aos Guanches nas Canárias, temos de reconhecer que não há paralelismos entre as formas de actuar. O que tornou a expansão lusa tão diferente da das outras nações foi o nível ético e moral com que a mesma foi iniciada! Tudo isto se deveu à Ordem de Cristo que, como filha da Ordem Templária, escolheu a dedo os nossos navegadores, verdadeiros cavaleiros religioso-militares.
Toda a orientação dada por Portugal no seu convívio com outras culturas foi ímpar. Para bem demonstrar a nossa capacidade e competência temos uma prova indiscutível que nos foi deixada por uma lei de 1755 onde o Monarca de Portugal ordenava que todos os casamentos entre portugueses da metrópole e indígenas, mesmo que celebrados pelos ritos locais, eram válidos e as crianças nascidas destes casamentos possuíam os mesmos direitos que as crianças nascidas de um casamento católico. Podemos considerar esta lei simplesmente como a reconfirmação setecentista da autorização do casamento inter-racial quinhentista, ambos representando um avanço multissecular em relação às legislações de outros povos. Porém, D. José resolveu ir mais longe. Estabeleceu que, quando houvesse um lugar vago na função pública nestas partes do Reino, fosse preferido para o ocupar um filho de um destes casamentos mistos. Com isto a Coroa evitou o aparecimento de possíveis problemas porque, logo de início, se reconhecia qual era o grau de importância que eventuais questões poderiam vir a ter para ambas as partes e resolvia-se tudo em família, sem criar grandes rancores. O exemplo máximo da situação oposta deu-se na Índia Britânica onde só um inglês poderia ser funcionário público, não podia tão-pouco ser escocês ou irlandês! Um nativo da Índia era impensável para ocupar o cargo! O resultado foram levantamentos populares que resultaram em massacres terríveis causando, por sua vez, esmagamentos militares de má memória.
A forma lusa de estar no mundo, não se deixando vergar, não se submetendo nem impondo a outros a subjugação, vivendo e deixando viver, coabitando o planeta de forma harmoniosa, não se considerando superior nem inferior, procurando apreender dos outros o que acha aceitável, rejeitando tudo o que considera impróprio, deu aos portugueses um lugar de relevo entre os que possam ensinar algo de válido à Humanidade.
Não é só a língua que une centenas de milhões de seres humanos na lusitanidade. É, em primeiro lugar, a Grande Alma Lusa que continua a viver apesar da substituição de Deus pelo dólar e das estatísticas materialistas racionais que não conseguem pesar a beleza de pensamentos nem medir espíritos de missão.
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In “PORTUGAL – A MISSÃO QUE FALTA CUMPRIR”, Ed. Zéfiro, 1ª edição, pág. 232 e seg.