HERÓIS DE CÁ - 26
HORÁCIO
Carpe diem quam minimum credula postero...
Aproveita o dia, confia o mínimo no amanhã...
E a tradução livre em português da poesia de Horácio (65 - 8 AC) continua assim:
Não perguntes, é proibido saber o fim que os deuses nos darão, a mim ou a ti,
Leucone, com os adivinhos de Babilónia não brinque.
É melhor apenas lidares com o que se cruza no teu caminho,
Se muitos Invernos Júpiter te dará ou se este é o último
Que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar Tirreno.
Sê sábio, bebe o teu vinho e para o curto prazo
Refaz as tuas esperanças.
Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento está a fugir de nós.
Aproveita o dia, confia o mínimo no amanhã...
O poeta romano significava com isto que se deve aproveitar de imediato tudo o que a vida oferece sem pensar no futuro.
A roda da vida demorou quase vinte e dois séculos a cumprir uma volta. Ou será que fomos nós, os vivos neste início do séc. XXI, que desbaratámos todo esse tempo voltando hoje a glorificar o hedonismo horaciano? Se a roda do tempo continuar a girar ao contrário, quanto faltará para regressarmos à pedra lascada?
Neutralizada a ira divina pela laicização da Ética e pela amoralização, nada mais fácil do que enveredar por uma via de exploração máxima de todos os prazeres que esta única passagem pela vida possa proporcionar. E quando refiro prazeres não tenho apenas em conta os que levaram Sodoma e Gomorra à perdição pois basta a ganância que desvaira gatunos travestidos de banqueiros para quantificarmos a calamidade a que chegámos nesta época em que escrevo.
Quando cidadãos prudentes, sensatos e poupados entregam na melhor boa-fé as poupanças de uma vida de trabalho nas mãos de um cleptomaníaco com tabuleta de banqueiro à porta para repentinamente concluírem que tudo lhes foi roubado, podem vir todas as Autoridades em defesa do Sistema e do seu árduo trabalho de fiscalização que ninguém mais acreditará nem no Sistema nem na competência do Fiscal. A descredibilização a que os gananciosos conduziram o Sistema transformando as praças financeiras no açougue em que são desmanchadas as poupadas e inocentes rezes por mãos cruéis de magarefes engravatados e a mais que evidente incompetência das Autoridades fiscalizadoras impõe o repensamento de um e a imediata substituição da outra.
É fundamental retomarmos a via da seriedade e da nítida separação do bem relativamente ao mal já que o desvaire confunde aqueles para quem os conceitos são nebulosos.
Assim, não fazendo hoje o mínimo sentido pugnar pelo regresso a qualquer tipo de hierocracia nem sequer bulir com o agnosticismo generalizado, deixemos circular a ideia de que «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba, antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más.»[1]
Se quisermos, poderemos a partir daqui refundar uma Moral agnóstica.
Tavira, Agosto de 2009
Henrique Salles da Fonseca
[1] - Frase de L. González-Carvajal Santabárbara in “Ideas y creencias del hombre actual” transcrita a págs. 121 de “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS” de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto