A decantada crise económica não é mais que um tumor de fixação de um mal generalizado e profundo. Efectivamente do que se trata é da contumaz e desabrida subversão de uma ordem. Verdadeiramente o que está em curso é a destruição ignominiosa dos fundamentos e dos valores de uma Civilização. A crise não é propriamente de economia, mas de doutrina e de autenticidade.
O despudor hedonista, a ânsia materialista, o desaforo consumista, tornaram o Ocidente ocioso, guloso e balofo; a adopção desse filho espúrio que é o existencialismo ateu justificou a alienação do seu sentido, da sua missão, do seu destino; com o mesmo efeito, a promoção da versão eufemista e anestesiante de existencialismo, aquilo a que hoje se vai chamando humanismo para significar-se o homem referenciado a si próprio.
O deus consumo, novo ícone
Descambou-se numa civilização do comprimido e do botão, símbolos míticos da renúncia ao sofrimento e ao esforço; de renúncia ao merecimento. Vivem-se as falácias do progresso e do bem-estar como simples frutos de reivindicação e, como resultado, as frustrações que geram o niilismo que se afirma e massifica. Impera o pacifismo, mistificação da paz, para justificar a desmobilização que nos prepara para ser presas fáceis de qualquer paz que não é a nossa.
O pragmatismo que começou por ser uma tentadora filosofia do senso comum e prático e se converteu na confusão entre a prossecução da verdade e a prossecução do útil imediato. A tecnocracia que cingiu a avaliação dos custos dos bens de que gozamos a um cálculo económico-contabilistico imediatista e vem propor como objectivos para o destino das nações, números, taxas, e que se vangloria de atingi-los como se governar se reduzisse a gerir cifras.
Os governantes dos regimes que nos sujeitam não alcançam ou não querem assumir a responsabilidade que os legitimaria, ou seja, a defesa dos autênticos princípios e valores pátrios, o prescutar dos clamores abafados da nacionalidade, o apontar e dirigir objectivos de dignidade, de grandeza e de missão, o realizar de um destino.
Perdida a perspectiva da história, subalternizada a Honra, repudiado o Heróico, ficamos à mercê de um qualquer internacionalismo, ficamos satisfeitos com as aparências e devotos do comodismo. Esquecemos, fazemos por esquecer, que mesmo os bens materiais de que dispomos e em que as gerações de hoje se atafulham despreocupadamente são árduas afirmações civilizacionais, frutos de uma cultura milenária e de uma esforçada luta de conquista. Merecê-los – quando eles nos não dominam, nem diminuem, nem adulteram – não resulta só de ter moeda para dar em troca, mas também da disponibilidade para nos batermos. Nos tempos que correm pululam os exemplos de que assim é, e, triste sinal dos tempos, concomitantemente os exemplos de tibieza dos supostos primeiros responsáveis em defender uma herança e fazê-la prosperar. Crise de pensamento, crise de acção, crise de identidade; desordem nos espíritos, desordem na convivência, desordem nos objectivos; eis a degradação do Ocidente.
Assim, particularmente, está Portugal, país sem projecto, amputado no espaço, na população e na alma, cerceado na vocação, distraído do destino. Não se fale então em recuperar a economia, antes afirme-se o imperativo de restaurar a Pátria.
Herlander Duarte
RECEBIDO POR E-MAIL:
Uma análise extraordinária sobre a crise ocidental e a responsabilidade do existencialismo na subversão dos princípios, um texto sobre que urgiria meditar para arripiar caminho, se ainda for possível.
Berta Brás
É um facto que a crise civilizacional, perfeitamente autofágica , que teve o seu início nos relativismos antropológicos do sec . XiX e na ingénua pretensão de "restaurar" indiscriminadamente as culturas dos povos cristianizados, acabou, como seria inevitável, por afectar todas as áreas que alicerçavam a sociedade ocidental e, consequentemente, os valores que as tinham encaminhado com vista a um projecto de Humanidade.
Apesar do grande desenvolvimento que o Ocidente conheceu durante o Renascimento, a Educação, a Família, o Trabalho, a Economia, a Ciência e a Arte mantiveram-se fiéis à sua matriz civilizacional. A "descoberta" da Antiguidade Clássica não teve, de modo algum, as consequências que viriam a ter no sec . XIX as descobertas das culturas do "novo mundo" e o retrocesso que, na ânsia de conhecer o Homem nas suas mais remotas origens, daí advieram.
O mito do "bom selvagem", a que se seguiu o mito do "bom revolucionário", não só pôs em causa os valores que estruturavam a Civilização, como gerou alguns contravalores que, acolhidos entusiasticamente como meios pela comunidade cientifica, foram geradores de correntes de pensamentos que se consolidaram nos diversos "ismos ".
Correntes de pensamento que, apoiadas por uma sociedade vulnerável a outros valores e materialmente orientada para outros fins, haveriam de resultar na pleíade de manifestações intelectuais e sociais que marcaram o sec . XX.
Era fatal que o sec . XXI começasse em crise! Faltava-lhe tudo!
Ainda assim, graças - talvez ...- à não total subversão dos valores por parte de uma, ainda que debilitada, considerável camada social, levou algum tempo a dar-se conta dessas carências.
Acontece que o retrocesso português foi extremamente marcante porque, concretamente, nos fez regressar à primitiva forma.
É óbvio que Portugal não poderia manter intocável o seu estatuto de império ultramarino. Mas é também óbvio que não o poderia ter feito de modo mais grosseiro e inconsciente!
Perdido tudo - a "pesada herança" em toneladas de ouro aferrolhadas no Banco de Portugal, os benefícios que advinham do Ultramar, o sentido pátrio, a consistência da Fé, as elites formadas nos valores tradicionais - Portugal ficou à mercê de "uns quaisquer" que tenham o arrojo de se apresentar em cena, cativar plateias e, consoante as suas pessoas, arrecadar os proventos do espectáculo.
Transformou-se na "jangada de pedra" que o "notorious " Saramago, et alter, vêm querendo pôr a navegar em turvas águas. Só ainda não saiu do cais porque está ancorada na Europa.
Queira-se ou não, é inegável, como afirmou Braudel , que a Civilização Ocidental é de matriz cristã. E que Portugal é um País católico. É bom que cada um de nós tenha isso em mente. Malgreé tout ...
De Adriano Lima a 28 de Julho de 2009 às 23:09
Há muita verdade derramada nesta peça. Mas acho excessivamente pessimista a conclusão final sobre Portugal. Afinal de contas, o nosso país não podia deixar de reflectir a crise ética e cultural que o mundo contemporâneo hoje atravessa. A crise advém essencialmente do nosso entendimento sobre a modernidade, com a excessiva confiança que demos à razão, à ciência e à tecnologia, sem percebermos que a ciência e a tecnologia não passam de meros instrumentos para a realização da nossa humanidade. E o problema é que a crise de valores é mais notória no mundo ocidental, que abre brechas incríveis nas suas muralhas mediante um conceito de liberdade individual e de tolerância que outras civilizações não consentem, pelo que logo aí se deflagra um confronto com armas desiguais.
A realização do ser humano tem de ser conseguida pela via da razão, que deve orientar e determinar a nossa vontade. Como diria Nietzsche, a busca de uma ética racional é o fundamento indispensável da nossa liberdade e da nossa autonomia como seres humanos. E é assim que, em Portugal, nos julgámos perdidos e sem rumo, quando o mal é geral e somos apenas mais uns que se queixam da natureza medíocre, corrosiva e invasiva do fenómeno político. Longe já vai o tempo em que bastava erguer muralhas à volta da cidade para se livrar dos malefícios do inimigo. Hoje a ameaça é outra e o repensar da civilização é a única maneira de estruturar uma nova ética, embora a meu ver de nada adianta se não o fizermos com uma consciência assumidamente planetária.
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