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Auto de fé
Segundo Robert Wright[1], Deus está vivo e o seu feitio melhorou consideravelmente nos últimos tempos. Já não tem os temíveis ataques de furor e esqueceu as práticas cruéis que cultivava no passado; já não dispara raios e coriscos nem tão pouco cuida de fazer chegar a cada mortal a respetiva quota de sofrimento. Tudo isso são águas passadas. Hoje, Deus é tolerante, pacífico, amável, paciente e bondoso. Deus é Deus, não por ser perfeito, mas por ser perfectível.
Para Wright, a interpretação válida dos textos sagrados é a que prevaleceu em cada época histórica. Como tudo mais, também é evolutiva. Voz do povo, voz de Deus. O que o povo dizia – e o que diz – corresponde ao pensamento divino do tempo. Por exemplo, nos idos levíticos, o mandamento “ama o teu próximo” era entendido literalmente. Os “próximos” eram os da mesma família, os da mesma aldeia e os da mesma tribo. Só na Idade Moderna (europeia) passou a ser entendido como os da mesma nação. Na era das ideologias, o próximo passou a ser, ora a classe ora a raça. Depois falou-se de semelhantes mas só hoje se aceita que “os próximos” inclui os antípodas. O Mandamento era um apelo à identificação. Hoje é o contrário porque Deus deseja que a identificação seja ultrapassada.
Fundamentalmente o que evoluiu foi a percepção do conflito social. Era então entendido como de soma zero. O ganho de um seria o prejuízo do outro [+1-1=0]. A intolerância e a beligerância tinham aqui a sua raiz. Admite-se hoje que o conflito pode ser de soma variável. Mediante cooperação, todos podem ganhar, ainda que desigualmente.
Para Wright, o monoteísmo foi - e é - importante na medida em que contribuiu para radicar no homem a ideia de que a moral deve presidir na orientação da sociedade. Por outro lado, o monoteísmo não teria impedido a evolução em qualquer das religiões que o praticam.
Wright deixa por explicar por que razão o homem se dedica tão empenhadamente a esta tarefa de aperfeiçoar a moral corrente. Quem lhe soprou tal instinto? Quem lhe conferiu tal vocação?
1 de Julho de 2009
PS. Este apontamento foi feito no dia do meu 82º aniversário. De boa saúde, graças a Deus.
(1) - Robert Wright, The Evolution of God, Little, Brown and Company, 2009
