POSTAIS ILUSTRADOS - XVIII
Anno Elécti. - V
Carta Aberta a todos os Eleitos e a um em especial, o Senhor actual primeiro-ministro:
Parte II
Moral Cívica Colectiva e Ética Política
Excelência,
Sá de Miranda, contemporâneo do imortal Luís de Camões tem um soneto intitulado “O Sol é grande” (1). Hoje, este Poeta português dar-lhe-ia o título de “Deus é grande” e Vossa Excelência sabe porque razão eu digo isto! Usou e abusou VEXA da sua arrogante maioria absoluta e teve a merecida resposta dos Eleitores. As legislativas serão a consumação do desaire. Na próxima legislatura, se for maioria não será absoluta e terá de partilhar o poder, i.e. governar colegialmente! Mas, não se amofine Vossa Excelência, pois, o mal de arrogância da sua maioria absoluta é um mal genético igualzinho ao de todas as maiorias absolutas que até ao presente nos governaram; não foram muitas, é certo, e, também, em boa verdade, não nos deixaram saudades. Em cada maioria absoluta, fomos sempre perdendo o pouco que nos ia sendo concedido. A prática da governação democrática é um comportamento a que só são obrigados os governos minoritários. O nosso Sá Miranda em “O Sol é grande” fala em “... cousas todas vãs” e ”... coração que em vós confia?”; ou“Passam os tempos, vai dia trás dia, Incertos muito mais...”. Mas não é hora de falar da confiança ingloriamente destruída, dia após dia; nem de promessas vãs que nos deixaram à bolina das incertezas. É hora de continuar a recordar-lhe medidas que ainda não foram iniciadas ou se o foram; foram... não exactamente. Já lhe falei, na Parte I desta missiva, da necessidade de voltar aos textos legais transparentes (que sejam simples e entendíveis), em bom português e sistemicamente organizados, para que o Ordenamento Jurídico português regresse à normalidade coerente das normas. Para que as Leis deixem de ser finalizadas com a fatal expressão: “As dúvidas do presente diploma...” Hoje, Lídimo Eleito, venho abordar o tema da moral cívica colectiva e ética política e dos benefícios e mordomias que os Eleitos legislaram para eles mesmos, curando de assegurar a sua boa vida. Não condeno o princípio, pois considero que todo o trabalho deve ser equitativamente remunerado. Condeno o abuso, a inoportunidade, a imoralidade cívica, a falta de ética política. Há tantos exemplos que são do conhecimento público que é despiciendo enumerá-los, nem eu quero ser repetitivo e lembrar cousas vãs. É claro que a moral cívica colectiva e a ética política são princípios abstractos, mas, exercê-las é do senso social comum, em que um vulgar mortal sabe distinguir o que é errado e o que é certo. Não sejamos, portanto, ingénuos: um corrupto sabe conscientemente que é corrupto, assim como o sabem os que não nos falam verdade; os que utilizam o sistema político e o seu posto em proveito próprio e prejuízo dos outros. Os Conceitos de Honra introduzidos por Códigos de Honra e as normas de conduta social não estão, na maioria, plasmadas em papel em Leis; são espólios do direito consuetudinário ou costumeiro; dos usos, costumes e da moral e da boa usança, ligadas às antigas Leis da Cavalaria. O Costume transplantou-se, não raras vezes, para a Lei, porque, ao contrário do Uso, o Costume era comum e socialmente aceite com sentido de obrigatoriedade. A 6ª promessa dos Cavaleiros Ingleses, instituída na panóplia de promessas das Ordens de Cavalaria, incitava os Cavaleiros a combater pelo bem e proveito do interesse público. Pense Vossa Excelência que é um Cavaleiro medieval e que a sua donzela é a Democracia Portuguesa! Em nome do interesse público, há que rever a questão do tempo dos mandatos. Se há já limites de mandatos, devem ser para todos e a Lei deve ser aplicada a todos, sem excepção. Em nome do interesse público, há que rever os vencimentos dos gestores públicos. Em nome do interesse público, há que rever a questão de as pessoas se manterem nos mandatos, sendo suspeitas de crimes. Aqui não se trata da condenação legal, trata-se da condenação política e uma não tem que esperar pela outra, nem têm de se confundir. Em nome do interesse público, há que agilizar a Justiça, dando-lhe os meios para ser eficiente e eficaz. Em nome do interesse público e das gerações futuras há que fiscalizar rigorosamente as derrapagens das Obras Públicas e punir os prevaricadores com sanções pesadas. Os que enriquecem sem justa causa à custa dos cabedais públicos, deveriam devolver ao tesouro público, os montantes indevidamente recebidos, verem confiscados os seus bens e saberem que a Justiça lhes cairia em cima com todo o peso da Lei:
“Os bons vi sempre passar
no mundo grande tormento;
e para mais m’espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamento”.(2)
Os poetas, se os transcrevo, são porque conseguem expressar melhor do que eu, o que todos nós afinal, sentimos. São a nossa Alma colectiva:
“Aonde irá este sem-fim perdido,
neste mar oco de incertezas mortas?
Fingidas, afinal, todas as portas,
Que no dique julguei ter construído...”. (3)
Era preciso, Lídimo Eleito que construísse um dique que impedisse que a água turva e a lama invadissem a nossa Democracia. Quantos mais sinais de alerta serão necessários para que esta Nau-Nação enverede pelo rumo certo? Até quando se manterão fingidas as portas da Razão e da Decência?
E termino, Excelência, como comecei. Com o nosso Sá de Miranda, numa citação que entenderá muito bem:
“Tem também seus princípios as grandezas
E às cousas grandes pequenas ajudam
Boas letras, Senhor, não são baixezas “.
(1) Poesia e Teatro - Sá de Miranda, pág. 213, Editora Ulisseia e Editorial Verbo, colecção Clássicos Verbo, Julho de 2005;
(2) Poesia Lírica - Luís de Camões, pág. 84, Editora Ulisseia e Editorial Verbo, colecção Clássicos Verbo, Fevereiro de 2006;
(3) Poesias de Mário Sá-Carneiro, “Ângulo”, pág. 289, Editora Ulisseia e Editorial Verbo, colecção Clássicos Verbo, Outubro de 2006.