HERÓIS DE CÁ - 10
A MÃO DE FERRO - I
Derrubados clero e nobreza, ficara a diminuta burguesia assente num mar de ignorância seguidora de qualquer bandeira que lhe prometesse futuros risonhos de vida folgada.
A quase vulgarização do assassinato político, a sucessiva insurgência militar e o boicote parlamentar à continuidade governativa resultavam directamente da perda do antigo padrão hierárquico da sociedade portuguesa sem que novo sistema estrutural se perfilasse.
Vários foram os exercícios militares de incidência governativa que se goraram tanto por não conseguirem resolver os problemas mais profundos de que Portugal então padecia como por não obterem o apoio dos manipuladores das massas populares.
Assim foi até que Carmona chegou à Presidência da República e constatou que o «murro na mesa» não era suficiente. Ao convidar o General Domingos de Oliveira a formar Governo, estava claramente a apostar em alguém habituado a lidar com matérias muito mais vastas do que a mera estratégia militar e, ao impedir a turbulência parlamentar, assegurou continuidade à governação.
O não parlamentarismo de que Domingos de Oliveira usufruiu não o conduziu à arbitrariedade, ao capricho, à arrogância e muito menos ao caudilhismo. A sua atitude manteve-se ética e exerceu a governação com verdadeiro sentido de Estado. Para resolver o grave problema financeiro em que Portugal se encontrava trouxe de Coimbra o jovem Professor de Finanças Públicas António de Oliveira Salazar que rapidamente se evidenciou e acabou por o substituir na chefia do Governo.
Católico assumido, Salazar recebeu o apoio dos Generais e da Igreja (entretanto reorganizada) mas não prescindiu da informação sobre as actividades desenvolvidas pelos irrequietos parlamentaristas desempregados.
Nos primeiros tempos da sua governação, Salazar teve duas preocupações principais: o silenciamento das disputas políticas – amiúde misturadas com quezílias pessoais – e o saneamento das Finanças Públicas. No seu entendimento, essas eram as duas questões que paralisavam o País e, portanto, não se preocupou com grandes subtilezas para as resolver: a reforma da gestão financeira da Administração Pública foi executada com eficácia e os parlamentaristas foram convidados ao silêncio. Destes, alguns terão aceitado o convite mas outros houve que seguiram para o exílio, para a prisão ou mesmo para o exílio sob prisão.
A primeira fase da governação salazarista (1932-1940) caracterizou-se, pois, pela anulação das disputas políticas e pelo restabelecimento do equilíbrio nas Finanças Públicas. Se na administração das Finanças o rigor preponderou, na questão política Salazar não hesitou em recorrer ao autoritarismo, o que o fez passar à História como Ditador. Anthony Eden, o Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros (1935-1938) chamar-lhe-ia «o Ditador benigno».
Baseando a sua política nos princípios da Doutrina Social da Igreja, serviu-se do conceito corporativo para anular Sindicatos e domar o empresariado mais exigente. No plano económico, com o intuito de promover o surgimento de empresas portuguesas com dimensão, seguiu uma linha de complementaridade entre as diferentes parcelas do território nacional europeu e ultramarino, de protecção pautal e de condicionamento da concorrência interna. O seu modelo mercantilista perdurou até 1974 com ligeiras cedências de relacionamento internacional como foi o caso da adesão à EFTA[1].
O grande rigor legislativo resultava duma preocupação fundamental que consistia na instalação de um verdadeiro Estado de Direito. E apesar de ser uma produção legislativa parcamente discutida na «praça pública», ela revelou quase sempre um senso de equidade raramente visto num ditador, de sobreposição dos interesses nacionais aos interesses particulares, resultante de um código ético perfeitamente conhecido de todos – partidários e opositores – enfim, revelando um notável sentido de Estado. As pessoas podiam concordar ou discordar mas as regras do jogo eram plenamente conhecidas e não prevalecia o capricho ditatorial. Basta isto para excluir Salazar do grupo fascista.
E por que é que tantos de nós não concordávamos com ele? Bem, isso é questão que fica para mais logo…
Lisboa, Junho de 2009
[1] - Sigla inglesa para European Free Trade Association; em português, Associação Europeia de Comércio Livre (AECL)