POSTAIS ILUSTRADOS - XVI
Miguel Ângelo
Anno Elécti. - III
Naquele tempo, (ou era uma vez, se quisermos contar às criancinhas), do período de euforia e de saneamento em saneamento lá íamos cantando e rindo, com um brinquedo novo nas mãos – o prec* – mas de que depressa nos cansámos; e, nesta festa estonteante, foram surgindo de mansinho Leis instaladoras da nova elite, sub-reptícias, tratando do futuro dos Eleitos. Ainda, recentemente, ouvi um comentário de café – uso em que somos diligentes – que reforça o que o Povo diz na rua e que passo a reproduzir: “Fizeram e fazem Leis só para eles”. Os Eleitos são os únicos responsáveis pelo descrédito em que caíram junto dos seus eleitores. E, talvez propositadamente ou não, estrategicamente pensada ou não, as sucessíveis Leis de implantação do sistema político foram almofadando o caminho dos novos senhores. Ninguém pensou, por exemplo, ab initio, em limitar os mandatos. E se alguém pensou não o disse, com medo de desagradar ao novo Poder instituído. Todos conhecemos os resultados desta “benfeitoria”. A Assembleia ficou com lugares reservados sem tempo limite de ocupação para alguns e a hipótese de ser renovada com novos rostos, novos ideias, pessoas mais jovens na política partidária diluiu-se e passou a ser dependente da vontade de quem estava no topo das listas e dominava o aparelho partidário. Há Eleitos que se mantêm nas cadeiras de São Bento desde a Assembleia Constituinte, ou seja, há 35 anos !!! Não há necessidade de nomeá-los. O Povo conhece-os. A quantas reformas terão direito, meu Deus? Também, a prática de substituição dos mandatos na Assembleia da República, adoptada para os Eleitos é esclarecedora. Acrescida da não limitação dos mandatos, este regime de substituição dos Deputados por outros Eleitos é o ouro sobre o azul para Suas Excelências. Entram na Assembleia eleitos nas listas dos partidos com o compromisso de nos representar por uma legislatura, para alguns saírem logo a seguir para membros do Governo, Administradores de Empresas Públicas e outros cargos públicos, normalmente, bem remunerados. E quando lhes termina a comissão o que é que acontece? Voltam tranquilamente, ao lugar que lhes está reservado, por direito. Direito? Sim, direito, porque o ditado popular de “foste ao ar perdeste o lugar” não é aqui aplicável. Também estas questões do princípio da legitimidade e verdade da representação democrática deviam ter sido acauteladas. Os trabalhos da Assembleia iniciam-se com uns e quando estamos a meio da legislatura, a Assembleia já tem outro rosto. E a ética do compromisso democrático eleitoral? E a verdade da representação conferida pelos eleitores? Onde se situam? É preciso responder-vos? Mas falemos doutras coisas, por exemplo, da noção de responsabilidade política dos nossos Eleitos? O recente episódio de alguns Senadores Britânicos, descobertos em acções cuja integridade foi posta em causa, teve como consequência o pedido de demissão do Presidente, que assumiu as responsabilidades políticas de tão vergonhosa situação. Lembrei-me, de imediato, do exemplo dado pelos nossos lídimos representantes com as viagens fantasmas e com o inquérito parlamentar que se lhe seguiu? E outros inquéritos parlamentares? Que consequências políticas tiraram destes, os nossos Eleitos? Podem ter tirado, mas não me lembro de coisa alguma, provavelmente, porque não foi dada suficiente publicidade a esta matéria, a das consequências, claro! Já agora acrescentemos a estas benfeitorias, a benesse do estatuto de aposentações privilegiado? Já alguém, nos mais altos escalões da vida político-partidária levantou a sua voz e teve coragem para denunciar estas mordomias? E tentar corrigir? Não digo que não tenham benefícios por servirem a Nação. Devem tê-los! A Democracia exigi-o! Mas era necessária esta descarada vantagem em relação ao cidadão comum, quando há tanta gente a viver abaixo do limiar da pobreza? Os nossos Eleitos, esta minoria privilegiada autoconvictamente esclarecida, impôs a todos nós: um sistema político e eleitoral que contempla a classe política com benesses que constituem situações de privilégio que colectivamente pagamos. Resta-nos pedir contas. E como as pedimos? Usando o voto com inteligência, porque, afinal de contas, ainda é a nossa arma. Vamos, pois, todos votar, para lhes demonstrar que não estamos contentes com isto e que é preciso mudar. No próximo e último texto desta série, satisfarei o pedido do Senhor Primeiro Ministro: vou apresentar algumas sugestões aos Eleitos. E já agora concluo com uma citação de Miguel Angelo, autor da pintura acima, e... um génio: “Muito ganha aquele que aprende, quando perde”.
*Processo revolucionário em curso