DIÁLOGO CIVILIZACIONAL (continuação 1)
Neste país, a idade da pessoa mede-se pelo número de horas que passa regularmente nas salas de espera dos consultórios médicos. Aqui há dias, dois reformados da carreira diplomática encontraram-se num desses purgatórios e, como é próprio da sua condição, foram matando o tempo presente com lembranças do tempo passado. Falavam assim:
….
U - E, portanto, terminaste a tua carreira em Viena de Áustria. Ficaste contente?
O – Sim. A Áustria é o país mais civilizado do mundo. Foi uma grande oportunidade. Atingi o topo civilizacional
Wiener Staatsoper
U - Curioso! Eu então considero o Brasil o país mais civilizado do Mundo.
Carlos Drummond de Andrade
(estátua em bronze do calçadão de Copacabana)
O – Olha, na Áustria os médicos não fazem esperar o doente. Se tal acontecer, o médico continua obrigado a dar consulta mas perde o direito de cobrar honorários.
U – Abençoado país esse. Mas há que distinguir entre organizado e civilizado. Eu considero o Brasil o mais civilizado de todos os países porque ali o convívio social se desenvolve com um mínimo de constrangimento. A ideia do pecado foi abolida logo de início e.... pelos jesuítas. Nem mais.
O - Julgo saber, e concordar com, os atrativos e razões que embelezam a tua dama. Tivesse eu com ela convivido não me custaria a partilhar a tua crença. A defesa da minha dama "germânica" é mais difusa por abrangente de países e modos de vida bem diferentes mas ligados pelo mesmo fio. É isso: - como disse, trata-se de uma questão civilizacional.
U – Vejo que ficaste mestre na arte da comunicação não informativa, arte que nada tem de germânico. Configura mais uma deformação profissional. Será o caso?
O - Talvez, dubitando ad veritatem pervenimus. Vienna é de novo notada pelas artes e instituições culturais, tais como a famosa Opera, pelos belos parques e pela arquitetura continental que se espraia pelas margens do Danúbio. O céu é limpo e sol brilha ali tanto que a Mercer, uma companhia internacional de recursos humanos, atribuiu a Viena o número 1 mundial da qualidade de vida e apontou a harmonia política e social que ali reina como mais um motivo para tanto.
U - São argumentos poderosos mas não esgotam o assunto. Civilização requer algo mais. Irradiação faz parte do algo. De Viena veio Mahler, Freud e Wittgensntein. Todos eram judeus. A minha impressão é que a irradiação vienense se esgotou com o anschluss e nunca mais se restabeleceu. Pode ser que eu esteja enganado.
O - No passado, também fez o Beethoven, que era de Bonn. Uma proeza diplomática austríaca: Hitler, passou a alemão; Beethoven, passou a vienense. Mas não estás enganado. A Áustria faz parte de uma Europa que já nada irradia.
Alguém quer continuar este diálogo?