RUY COELHO – 4
Ópera 'Belkiss'
Ruy Coelho fez parte de um grupo de jovens artistas constituído, entre outros, por Amadeu, Almada, Pacheco, Santa Rita, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. Embora tenha sido muito próximo de Almada (uma das suas primeiras caricaturas expostas terá sido dele) e de elogiar o seu génio designadamente como bailarino, afirmando que o seu desempenho (de amador) em 1918, não ficara atrás do de Falkoff (profissional russo que interpretaria o mesmo personagem anos mais tarde) teve com ele uma célebre polémica quando em 1925, alegando não ter as condições necessárias, Almada se recusou a dançar de novo o bailado "Princesa dos Sapatos de Ferro" no S. Carlos e fez questão de ser preso, por quebra de compromisso. Ruy Coelho apresentou o bailado com a cortina corrida nas partes em que Almada deveria ter dançado. Quando termina o espectáculo visita Almada nos calabouços do Governo Civil (terá lá ido várias vezes, com amigos, tratar de o pôr em liberdade). Almada relata que lhe apareceu de fraque a fumar charuto, celebrando o êxito obtido. A polémica ficou registada em quatro artigos nos jornais (dois de cada um deles) e suspendeu a amizade e as colaborações artísticas até 1943, altura em que Almada projecta os cenários de "Inês de Castro" e os figurinos e cenários de "Crisfal", duas Óperas de Ruy Coelho.
Bem ao jeito da época, Ruy Coelho ambicionava com a sua obra dar "expressão musical à alma da nação" tendo, em muitas das suas obras, utilizado temas identificados com o imaginário nacionalista, como as cinco Sinfonias Camoneanas, as Óperas sobre textos de Gil Vicente ou a Ópera D. João IV, entre outras. Afirmava não seguir nenhuma corrente, nem ter ideias pré concebidas e limitadoras sobre processos, sistemas ou teorias técnicas ou estéticas, quando compunha as suas obras, interessando-lhe tão só conseguir exprimir o que sentia sobre determinado tema.
Sendo um compositor muito conotado com o antigo regime, é importante salientar que, quando em 1926 é implantado o Estado Novo, já tinha levado ao S. Carlos pelo menos onze obras da sua autoria e já tinha sido premiado em Madrid. É certo que beneficiou, como muitos outros artistas, das políticas culturais de António Ferro, com quem até já tinha colaborado em 1924, tocando as suas músicas nas conferências "A Idade do Jazz Band". Mas, ao contrário de outros, nunca aceitou cargos oficiais (nem antes nem depois da instauração da ditadura) e só se pronunciava publicamente sobre música (educação musical, edição e divulgação no estrangeiro das obras nacionais, organização e gestão do S. Carlos e do Conservatório). Defendeu, através de vários artigos e pequenos livros, a música erudita portuguesa e a ópera cantada em português (considerando que à semelhança do que se passava na Alemanha, França e Inglaterra, as óperas deviam ser cantadas na língua do país onde eram exibidas). Argumentava que o contrário era não só provinciano como prejudicial aos interesses da arte e do público, que não percebia verdadeiramente o que estava a ver e ouvir.
Envolveu-se em várias outras polémicas, como era típico no meio artístico da época: a primeira, com apenas vinte e um anos, quando, durante uma curta estadia em Lisboa, toma conhecimento do êxtase da crítica perante uma sonata de Luís de Freitas Branco, e reage, acusando-o de ter copiado César Frank, demonstrando os seus argumentos ao piano no Salão Nobre do Conservatório; com vinte e quatro anos, com o governo de Afonso Costa, devido ao episódio do "Serão da Infanta"; posteriormente, com várias Direcções do Conservatório, que acusa de incompetência, de má gestão, e até de apropriação de bens públicos; com a Direcção do S. Carlos, já durante o Estado Novo, por não cumprir a lei que obrigava a uma determinada percentagem de exibições de música portuguesa; com Lopes Graça, que inicialmente o "aplaudira entusiasticamente", e outros da Revista Seara, que o atacaram ferozmente e com quem trocou livros recheados de insultos. Para se ter uma ideia da sua personalidade, note-se que, já com 94 anos, numa rara entrevista na rádio, ainda vocifera contra os políticos, caracterizando com palavrões a importância que davam ao património. Sendo aconselhado a retirar o que tinha dito, dispara: "tire lá … e ponha pior".
(CONTINUA)
5 de Fevereiro de 2009