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A bem da Nação

RUY COELHO

 

 
 
Num momento em que várias iniciativas, de grande qualidade, divulgam, muito justamente, a obra de alguns artistas do que se convencionou chamar o Movimento Modernista Português (veja-se a magnífica exposição sobre literatura na Fundação Calouste Gulbenkian ou a edição do Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português), poderá ser interessante despertar a atenção para um compositor que, tendo feito parte do núcleo duro desse movimento, e conseguido, no seu tempo, uma projecção nacional e internacional provavelmente sem paralelo na música erudita portuguesa, é hoje praticamente desconhecido do público, não obstante a recente reedição (colecção PortugalSom) de um dos raros CD's com a sua música.
 
Ruy Coelho nasceu num local tão fora-de-mão como seria Alcácer do Sal em 1889. O mais velho de oito filhos de um casal modesto. O pai, barqueiro de profissão, levava-o por vezes, como ajudante, nos transportes que fazia para Setúbal, e quando apanhavam mau tempo, amarrava-o a um cabeço da amurada. Ainda miúdo começou a aprender música na Real Sociedade Filarmónica Progresso Matos Galamba. Uma das histórias que recordava desse tempo, era a de ter passado um concerto a improvisar pensando que ninguém ouviria o seu flautim, para no fim levar uma grande descompostura do Maestro.
 
Em 1904, com apenas quinze anos, foi estudar para o Conservatório de Lisboa com o apoio de mecenas de Alcácer que lhe pagaram "durante uns tempos" um quarto na Graça e os almoços numa pensão do Chiado. Sozinho, e sem meios na capital, deparou-se com a difícil tarefa de aprender piano, sem ter piano. O que só terá conseguido porque o Sr. Schwalbach, Director do Conservatório, o autorizou a usar as instalações fora de horas. Tinha de começar a praticar pelas sete da manhã, tendo assim de se levantar às seis. Como não tinha despertador, nem ninguém que o acordasse, inventou um método que resultava na perfeição: amarrava com força as pernas muito direitas e quando, a dormir, se tentava virar, acordava. Começava os dias com uma caminhada até ao Conservatório – pois nem para o eléctrico tinha dinheiro – estudava, assistia às aulas e voltava a praticar, terminando as noites a tocar nos animatógrafos e teatros de operetas (ou revistas), deitando-se cerca das duas da manhã. Outros episódios que deixou relatados são também demonstrativos das dificuldades que passou nesse período, como os almoços que comia a dobrar, sem pestanejar, quando a empregada da pensão não se lembrava de o já ter servido, ou os pães que, de tarde lhe mandava um atento director do Conservatório. 
 
Nesses tempos, aquilo que mais desejava era assistir a uma Ópera. Mas, ao contrário dos colegas, não tinha meios para o fazer. Um dia, a tentação foi forte de mais: esgueirou-se pela entrada dos artistas do Teatro de S. Carlos e deu por ele a assistir à "Aida" de Verdi, deitado sobre umas pranchas penduradas no travejamento do tecto sobre o palco. Foi uma revelação e uma sorte, pois não caiu para uma morte certa. Estava longe de imaginar que passados poucos anos voltaria ao local do crime para assistir a uma Sinfonia escrita por si, e que ao longo da vida haveria de dirigir muitas das suas obras no S. Carlos.
 
O professor Alexandre Rey Colaço terá detectado o seu potencial pois, na audição aos novos alunos, escolheu-o para lhe dar aulas particulares, gratuitamente. Ruy Coelho tinha uma enorme admiração por ele, considerando-o um excelente professor, pois em poucas aulas, conseguiu, ao piano, transportar Fugas de Bach (meio ou um tom) às indicações do mestre. Capacidade que por várias vezes referiu como determinante no acompanhamento de cantores, e que lhe serviu para "ganhar a vida" nos teatros, onde assim que as cantoras se desviavam do tom tinha de as acompanhar. E se não fosse capaz de o fazer, era posto na rua. A esta fase chamou mais tarde, no âmbito de uma das suas polémicas, "pedagogia ao vivo", aconselhando-a aos que, “ao invés de subirem a pulso, e passo a passo na profissão, eram só pregadores de palavreado musical”…
 
Foi Rey Colaço quem o apresentou a Jorge Jerosch Herold, empresário e violinista amador que precisava de um pianista para o acompanhar na execução dos românticos e clássicos alemães, como as Sonatas de Beethoven. Ruy Coelho ter-lhe-á manifestado a vontade de continuar os estudos em Berlim, e passado cerca de um ano de sessões musicais, foi ele quem lhe proporcionou esse decisivo passo na sua carreira.
 
(CONTINUA)
 
5 de Fevereiro de 2009
 
 Rui Ramos Pinto Coelho
 
 

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