LIDO COM INTERESSE – 41
Título: Guerra Civil de Espanha
- Intervenção e não intervenção europeia 1936-1939
Editores: PREFÁCIO – Edição de Livros e Revistas, Ldª.
Edição: 1ª, Janeiro de 2009
Como diria José Carlos Ary dos Santos,
«As coisas são o somenos que elas são:
O que é um gato é um gato,
O que é um cão é um cão.»
Mas na Diplomacia, seguidora de Friedrich Nietzsche sempre que lhe convém, não é exactamente assim: «Não há factos; há apenas interpretações.»
Com esta frase de Nietzsche nos dá o Autor um resumo do típico modo de actuação do diplomata, o tal que quando diz sim significa talvez e quando diz talvez significa não. Um diplomata nunca diz não.
E com subtilezas interpretativas misturadas com declarações cautelosas e com cautelas subtis enformando declarações interpretativas, eis que se juntam em Londres todos aqueles que apregoam a paz fazendo descaradamente a guerra. Porquê? Porque…
A crescente influência da CNT[1] junto dos trabalhadores colocou o estado espanhol nos braços de uma tenaz infernal: - corrupção, à direita; terrorismo, à esquerda. A oligarquia que dominou a vida política espanhola ao longo do século XIX destruiu gradualmente a velha ordem da Monarquia absolutista mas não teve energia para construir outra ordem viável. Comprava poder para que este reprimisse os seus opositores. Ao ascender ao trono[2], Afonso XIII rejeitou a proposta de repressão violenta formulada pelo chefe conservador António Maura – que foi demitido – e optou pelo modelo transformista proposto pelos liberais. O rei pensava que o problema se poderia resolver sem recurso à força. Encarregou a facção liberal de proteger o flanco esquerdo do regime com os seus esquemas de agregação económica. A solução liberal de «co-opção» – participação nos benefícios do sistema – revelava contudo incompreensão da natureza do fenómeno. Os anarquistas não pretendiam beneficiar do sistema; pretendiam acabar de vez com o sistema. Visavam o empobrecimento geral nivelador e não o aumento da riqueza e melhor repartição. A solução liberal era exactamente a que mais desprezavam.
E por aqui me quedo com a transcrição pois se continuasse por mais uma linha que fosse, era tentado a copiar o livro todo.
E também porque tanto à Alemanha nazi como à URSS se lhes tinha metido nas cabeças que haviam de destronar a hegemonia britânica passando eles a dominar os demais povos, Espanha foi considerada o teatro fundamental para isolar a Europa ocidental do resto do mundo. Quem dominasse a Península Ibérica haveria de controlar a Europa.
Aquela de os anarquistas quererem «o empobrecimento geral nivelador», faz-nos lembrar o discurso do PCP no post-25 de Abril de 1974 quando falava em democracia. Sim, passados cerca de 50 anos, o discurso repetiu-se aqui mesmo ao lado de onde foi proferido inicialmente. Dá para repetir a frase de Friedrich Hölderlin que já citei tanta vez: «somos originais porque não sabemos nada» …
Cenário internacional de grande fragilidade e França, com um Governo presidido por Léon Blum, a querer conciliar o inconciliável, a demagogia eleitoralista e as exigências sociais a dificultarem ou até mesmo a impedirem as políticas estrategicamente prementes para os superiores interesses do país. A toda esta envolvente se refere o Autor num excepcional desenvolvimento explicativo.
Portugal como centro de muitas discussões desde Moscovo a Londres e Salazar a desenvolver uma política de grande clareza na defesa dos princípios em que cria. O xadrez mundial a desenhar-se junto das fronteiras portuguesas e nós, os não comunistas, a termos hoje que reconhecer que o nosso anti-salazarismo poderia ter muitos fundamentos mas não os relativos à guerra civil espanhola.
Somos transportados ao longo do livro através de relatos admiráveis; inúmeros os factos históricos descritos que não éramos capazes de imaginar; ficamos com a sensação de estarmos a participar nas reuniões, com os diplomatas a terem que dizer o que os respectivos patrões lhes impunham, a ouvirem coisas para que não estavam preparados, a improvisarem argumentos que os poderiam conduzir à demissão nas situações mais benignas ou à decapitação física nas mais intervencionistas.
Nem tudo foram rosas ali sobre o Baluarte do Livramento, foz do Tejo à vista, no Palácio das Necessidades. Difícil a vida dos diplomatas em tempos de guerra.
Um bom livro sob inúmeros pontos de vista, nomeadamente para relembrar o discurso estalinista da militância antifascista ainda hoje na boca de tanto rot Gauleiter que nem sequer sabe o que era o fascismo.
Finalmente, duas perguntas para espevitar a curiosidade:
- Sabe quem foi Saint John Perse?
- Sabe quem foi Alexis Léger?
Livro a não perder.
Lisboa, Fevereiro de 2009
[1] -Confederação Nacional do Trabalho (anarquista)
[2] - Em 1902, ao completar 16 anos de idade e assim sendo considerado maior de idade