O vestido de tule
O vestido era lindo, longo, bordado A saia, ampla, rodada, acinturada por uma larga faixa negra acetinada. A blusa, ajustada, vislumbrava a pele através do tule negro. Desenhos florais, em profusão, preenchiam em palha de trigo dourada, brilhante, a trama negra da vestimenta.
O tule, fina trama de fios de seda, algodão ou nylon, vinha enrolado em largas réguas de papelão da Casa Santos & Lacerda, na Horta, aonde papai trabalhava. Depois de cortado era colocado e preso, por alfinetes, a um molde de papel manteiga, onde o desenho se mostrava para ser executado. Os fios que preenchiam a trama eram em geral de seda ou de palha de trigo tratada em fumeiro de enxofre, para adquirir o brilho dourado. Após essa etapa, abria-se cada canutilho de palha em cinco fitas muito finas, passando-o num fuso pequeno e delicado de osso de cachalote ou madeira. O miolo delas era retirado por um canivete bem afiado, passando-as entre a lamina e o dedo gordo, previamente protegido por uma dedeira de couro grosso, obtendo-se assim delgadas fitinhas douradas de uns 20 cm , que cortadas em bisel numa das extremidades se transformavam ao mesmo tempo em linhas e agulhas do bordado .
Sentadas em redor, mamãe e as senhoras que trabalhavam com ela executavam o minucioso bordado. Mãos ágeis e habilidosas com movimentos intrincados, mas precisos, faziam surgir sobre o tule figuras delicadas que enchiam os olhos de admiração e beleza.
Mantilhas, blusas, véus, depois de prontos eram cuidadosamente arranjados, artisticamente embalados em papel de seda e enviados pelo correio, em caixas, do Faial para as outras ilhas do arquipélago açoriano (São Miguel, Terceira, Graciosa, Pico), Madeira e até para Lisboa, Canadá e Estados Unidos.
Aos domingos, na missa, e nos dias de festa minha mãe, jovem esbelta e bonita, usava uma das suas lindas mantilhas ou alguma blusa bordada, abotoada por delicados botões em pérola. E eu, a vendo se preparar, na minha fantasia infantil, imaginava que assim devia se vestir uma princesa.
Uberaba, 26/12/08