A AMÉRICA NUNCA FOI UM PAÍS DE LEITORES
“A América nunca foi um país de leitores (…)” assim começa a história curta Respostas Utilizáveis de Truman Capote. Não li mais, fiquei-me por esta primeira frase. Não gosto das opções por que aquela pessoa enveredou e, portanto, abstenho-me de a ler. Mas peguei no livro para ler as badanas e a contracapa à semelhança do que faço um pouco a esmo nas duas livrarias que visito semanalmente.
Os livros que me interessam verdadeiramente – e todas as semanas são vários – deixam-me revoltado com o facto de o dia continuar a só ter 24 horas… Desta vez quem ficou na calha foi História dos Portugueses na Etiópia (1490-1640)de Pedro Mota Curto. Espero que não perca pela demora até porque o Natal vem aí e há sempre um velho de barbas vestido de encarnado com um saco às costas…
O lendário Preste João
Mas foi a frase de Truman Capote que me despertou o sentido crítico.
Portugal sempre foi considerado país de poetas mas nunca de leitores – não só por causa do endémico analfabetismo adulto de que só agora se está a redimir mas sobretudo porque os que se ficaram pela soletração não ganharam o prazer da leitura. As Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian foram muito importantes na difusão cultural mas não ensinaram a ler: deram prática de leitura a quem para tal já estava predisposto; levaram o livro às serranias e planuras afastadas das bolorentas bibliotecas municipais, fixas geograficamente e em conteúdos.
(Um à parte: em Janeiro de 2008 visitei Goa e quando passámos frente à Biblioteca Municipal de Panjim, o nosso guia referiu enfaticamente e com evidente orgulho que ali se podia ainda hoje ler o “Século Ilustrado”, a “Flama”, etc. E, pensei eu mas calei, outras velharias que já só fazem sentido num qualquer arquivo histórico. Duvido que os leitores se acotovelem à entrada daquela instituição e tenho pena que nada tenhamos feito ao longo destes últimos 47 anos no sentido da revitalização daquele acervo bibliográfico. Se a Administração Pública Portuguesa nada faz nesse sentido, lá teremos que ser nós, os contribuintes, a fazê-lo por nossa própria iniciativa. Voltarei a tratar do assunto.)
Então se Portugal escreve mas lê pouco, isso significa que as edições são pequenas e, portanto, caras; se as edições são caras, não são acessíveis aos menos endinheirados; se os menos endinheirados não se cultivam, continuam a cavar o fosso que os separa dos ilustres e dos ilustrados; se os hábitos de leitura não se democratizam, nunca mais alargamos o mercado doméstico; se o mercado doméstico não se alarga, as editoras nunca sairão da cepa torta.
Assim se desenvolve um silogismo elementar e se faz um nó cego que só Damocles conseguirá desmanchar.
E é isto que me espanta: todas as semanas deparo com novas edições nos escaparates, com gente – nova, adulta e entrada – a folhear como eu, a comprar muito mais do que eu… e os empregados a não terem sossego no atendimento ao público efectivamente interessado. E numa das ditas livrarias há todos os dias a apresentação de uma nova obra quer de Autor consagrado quer desconhecido. E a plateia enche porque os conteúdos interessam e têm público, não são já o “Século Ilustrado” nem a “Flama” de há 50 anos.
Então? Será verdade que não somos um país de leitores?
Temo que a resposta seja parcialmente afirmativa porque este entusiasmo que testemunho não deve ultrapassar o fundo da Calçada de Carriche.
O que fazer então para que Portugal deixe de se parecer com a frase de Truman Capote?
Só ganhando dimensão para que as edições possam embaratecer e passem a ser acessíveis a um crescente número de leitores. Sim, também no mercado editorial, só conseguiremos garantir a soberania nacional se aumentarmos a dimensão doméstica e, como viram os nossos antepassados que em 1415 zarparam por esses mares além, conquistarmos adeptos estrangeiros.
O alargamento da dimensão doméstica vai-se fazendo com o desenvolvimento cultural da população residente (v.g. o Plano Nacional de Leitura) mas a dimensão externa não pode ser contrariada por Acordos Ortográficos como este que foi agora promulgado que em vez de promover o livro português no estrangeiro apenas promove o livro brasileiro em Portugal.
Não há pior cego do que aquele que não quer ver e nada mais elementar do que exigir aos negociadores de convenções internacionais que assumam um mínimo de sentido estratégico e de Estado, se deixem de tecnicismos caricatos e prejudiciais ao país que lhes paga os ordenados e cujos interesses deviam defender. Os negociadores portugueses deste Acordo – autênticos Cristóvãos de Moura – serão certamente chamados à responsabilidade histórica do lastimável acto a que conduziram Portugal.
Novembro de 2008