CARTA ABERTA AO GENERAL RAMALHO EANES
O País teve, há uns dias, oportunidade de ouvir novamente falar de si.
E pelas melhores razões: porque terá recusado receber retroactivos de valor superior a um milhão de Euros, que lhe seriam devidos por passar a ser abrangido pela lei que permite, aos ex-Presidentes da República, acumularem a respectiva pensão com outras a que tenham direito.
Um gesto raro (embora não inédito) de desprendimento dos bens terrenos, por que tantos, de forma ostensiva, lutam muito para além do razoável.
Recordo que, já em tempos distantes (a seguir ao 25 de Novembro de 1975), o Senhor General recusou receber o diferencial do vencimento do seu posto efectivo (tenente-coronel) para aquele em que foi graduado (general de 4 estrelas) para as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército. Não tenho ideia do quantitativo mensal, mas passaram-me pelas mãos documentos que referiam a transferência dessas importâncias para instituições de solidariedade social, o que aconteceu, pelo menos, até à sua eleição para Presidente da República, em Junho de 1976.
É por isso que não concordo inteiramente com a sua atitude recente.
De facto, aceito – e aplaudo – que recuse o benefício pessoal desse mais de um milhão de Euros.
Mas entendo que não é legítimo deixar nas mãos rotas de uma administração pública tão esbanjadora de recursos (como é a nossa) uma importância que faria a felicidade de muitas instituições.
A começar pela Liga dos Combatentes, de que é Sócio de Mérito, que tem em carteira projectos de criação de vários Lares para ex-Combatentes idosos e desprotegidos.
Continuando pelas associações de militares (AOFA, Associação de Oficiais das Forças Armadas; ASMIR, Associação dos Militares na Reserva e Reforma; ANS, Associação Nacional de Sargentos; APA, Associação de Praças da Armada; e outras) que lutam, por todos os meios legais mas com manifesta escassez de meios, contra os desmandos do Estado que recusa pagar (desde há longos anos) o que a Assembleia da República, por unanimidade, entendeu ser de justiça atribuir aos Militares.
E muitas instituições de solidariedade social (entre as quais se incluem algumas de militares, como a Associação de Comandos) que, à semelhança do que aconteceu em 1975, muito agradeceriam a parte do óbulo que lhes coubesse, certamente melhor aplicado do que o poço sem fundo que será o seu destino fatal – se não for por si aceite e logo distribuído como melhor entender.
Se ainda for a tempo, Senhor General Ramalho Eanes, reconsidere: mantenha a recusa de usar esse dinheiro em proveito próprio, mas aceite recebê-lo e distribuí-lo para fins filantrópicos.
Espero poder voltar a felicitá-lo em breve.
Atenciosamente
Alberto Ribeiro Soares
Coronel do Exército
2008-09-23