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A bem da Nação

LIDO COM INTERESSE – 31

 

 
Título: TELEVISÃO: UM PERIGO PARA A DEMOCRACIA
Autores: Karl Popper – John Condry
Editor: Gradiva
Edição: 3ª, Fevereiro de 2007
 
 
 
Raramente li um livro que me desse tanto prazer, com a vantagem de ter apenas 82 páginas do tamanho dos habituais «livros de bolso». Do tamanho de um livrinho; da dimensão de um tratado. Mas tive um prazer egoísta porque não passou uma linha com que eu não concordasse; li o que queria ler, não o seu oposto; não tive o prazer da dialéctica, tive o axiomático.
 
Os dois textos centrais – um de cada co-autor – são antecedidos pelo prefácio de Giancarlo Bosetti e sucedidos pelo posfácio de Jean Baudouin. Objectivamente, quatro textos admiráveis.
 
 Karl Popper (Viena, 1902 – Londres, 1994) é autor de vasta obra literária tanto no âmbito da filosofia como no da genética revelando uma prodigiosa erudição e extraordinária clareza que fizeram dele um dos pensadores mais estimulantes do século XX.
 
John Condry (não consegui descobrir quando e onde nasceu e presumo que esteja vivo), psicólogo americano, ensinou na Universidade de Cornell e fundou o Centro de Pesquisas sobre os Efeitos da Televisão. Tem vasta bibliografia muito referida na Internet.
 
 Giancarlo Bosetti (não consegui descobrir quando e onde nasceu e presumo que esteja vivo), italiano, dirigente do jornal comunista L’Unitá, fundou a revista Reset. Fez uma entrevista a Karl Popper que ficou célebre, La lezione del Novecento.
 
Jean Baudouin (não consegui descobrir quando e onde nasceu e presumo que esteja vivo), francês, é professor de Ciências Políticas na Universidade de Rennes. Autor de vários estudos sobre Popper nomeadamente La philosophie politique de Karl Popper.
 
Tudo se passa em torno da constatação de Popper de que a televisão poderia ser um portentoso instrumento educativo mas não o é porque sacrifica tudo aos níveis de audiência, os que pagam a publicidade que a financia. E para atingir esses níveis de audiência os realizadores de televisão não olham a meios, argumentam com o sofisma «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam» e abdicam mesmo dos princípios éticos sempre que estes se apresentam como escolhos aos objectivos traçados.
 
Porque não educa e frequentemente deseduca de múltiplas formas e de um modo repetitivo faz a apologia da violência e da razão da força (ganham os bons porque vence o mais forte) em vez de pugnar pela força da razão (ignorando que o vencido poderia ser o dono da razão), a televisão revela-se como uma potente inimiga da democracia cuja mais sublime vocação é a de permitir aos cidadãos que se elevem aos superiores níveis da cultura e, portanto, da dignidade. Sim, já quase nos esquecemos deste objectivo fundamental da democracia pois estamos cilindrados pelo mais badalado – e praticado – que é o relativo aos mais elevados índices de conforto material. Contudo, «nem só de pão vive o homem».
 
Mas Popper não se queda pelo diagnóstico e pela acusação: preconiza uma solução que pode espantar o leitor incauto, o acesso condicionado ao exercício da profissão de produtor de televisão.
 
(...) quem participe na produção televisiva deveria ser titular de uma autorização, de uma licença ou de uma carteira que poderia ser-lhe retirada definitivamente se alguma vez agisse em contradição com determinados princípios. (...) A instituição com poder para retirar a licença seria uma espécie de Ordem. (...) a licença só seria entregue após uma formação, seguida de exame. (...) O objectivo desta formação seria levar as pessoas que se destinassem a fazer televisão a compreenderem que iriam participar num processo de educação de alcance gigantesco. Todas as pessoas que viessem a fazer televisão deveriam tomar consciência de que têm um papel de educadores pelo simples facto de a televisão ser vista por crianças e adolescentes. (...) abordando-se com uma atenção especial o risco existente, para as personalidades vulneráveis, de confundir realidade com ficção e os efeitos que estas confusões podem desencadear. - Págs. 25 e seg.
 
A conclusão aponta no sentido de que (...) a democracia não pode subsistir de uma forma duradoura enquanto o poder da televisão não for totalmente esclarecido (...) e enquanto prevalecer o critério de que «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam», os programas serão cada vez mais medíocres e então (...) só nos resta ir para o Inferno! (...).
 
Lisboa, Julho de 2008
 
Henrique Salles da Fonseca
 

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