LIDO COM INTERESSE – 28
Título: Almeirim / Cronologia
Autor: Jorge Custódio
Editor: Câmara Municipal de Almeirim / Edições Cosmos
Edição: 1ª, Março de 2008
Nos campos consolidados do vale do Tejo nasceu uma nova povoação a partir de uma quinta e de um paço régio. A quinta pertenceu ao fundador da Dinastia de Avis, era ponto de apoio para o seu desenfadamento, próximo da charneca onde nasceu a Coutada. O topónimo era antigo e tal como noutros campos da margem esquerda do Tejo referia-se a um paul, lagoa ou braço do rio – assim reza parte da breve introdução.
Segue-se uma cronologia em quatro colunas sendo a primeira correspondente ao ano das ocorrências, a segunda ao GERAL/NACIONAL, na terceira enquadram-se os acontecimentos de dimensão REGIONAL e na quarta os de expressão LOCAL.
Rápida passagem pela pré-história e tudo ganha maior interesse a partir do ano 138 a.C. Visigodos, árabes, reconquista, D. Afonso Henriques a cobrar os dízimos das lezírias e eis que nos vemos em 1162 cercados por personagens com nomes fantásticos tais como o desse Alcaide de Santarém, D. Gaião e o de sua mulher D. Ermezenda que nesse ano compram uma propriedade entre Alpiarça e Almeirim a um casal com nomes igualmente estranhos para os ouvidos do séc. XXI: ele chamava-se Mendes (sim, nome próprio significando que era filho de Mendo) Rutura e ela chamando-se Aulenda (nada se refere a que tivesse adoptado o apelido do marido, Rutura). A transacção ficou registada para a posteridade até aos nossos dias – e de nós para o futuro – como tendo sido feita pelo preço de 500 Morabitinos. Dá para imaginar que o valor da moeda era grande pois não se está a imaginar um Alcaide de Santarém a comprar uma propriedadezita qualquer. E se uma propriedade agrícola nos campos de Almeirim digna de ser comprada por personagem relevante valia 500 unidades monetárias, não correremos risco de grande erro afirmando que um Morabitino valia então bastante mais do que um Euro vale hoje. Mas isso era no tempo em que Portugal emitia moeda própria. Como se diz nas histórias infantis, isso era «no tempo em que os animais falavam».
Por esta interessante publicação fiquei também a saber que as primeiras obras para edificação do Paço de Almeirim datam de 1411 por iniciativa de D. João I e que os últimos vestígios desse palácio foram demolidos em 1889.
O Rei passou a permanecer em Almeirim durante longos períodos e os documentos de chancelaria mais antigos emitidos naquele Paço datam de 1423, um ano antes da feitura da Carta Náutica desenhada pelo cartógrafo veneziano Zuane Pizzigano onde representa as descobertas já então feitas pelos navegadores portugueses naquelas paragens nórdicas a que hoje chamamos Terra Nova, Nova Escócia e Ilha do Príncipe Eduardo.
Mas nem tudo foram glórias na cronologia almeirinense pois em 1531 o grande terramoto provocou graves danos em toda a Vila levando o poeta eborense Garcia de Rezende a escrever que:
Grutas, buracos fazia
A terra se abriu
Água e areia saía
Que enxofre fedia
Isto em Almeirim se viu
Almeirim foi centro político principal e lá se realizaram várias Cortes, nomeadamente as de 1544 em que o Príncipe João – sim, esse filho esquecido de D. João III que viria a morrer em 1554 vitimado por diabetes – é jurado futuro Rei de Portugal. Teria sido o IV Rei João de Portugal se as diabetes não entrassem na escrita da História. Foi também naquela Vila que em 1579 o Cardeal-Rei fez reunir Cortes para debater a questão sucessória mas antes de se extrair qualquer conclusão, o monarca mandou prender D. António, Prior do Crato, que se passou para uma situação de quase clandestinidade. Morto o Cardeal-Rei, reuniram novamente as Cortes no Paço de Almeirim em 1580 para continuar a discussão sucessória. É então que Febo Moniz, em nome dos procuradores do povo, profere um aceso discurso contra as pretensões da Coroa espanhola assim provocando a aclamação em Santarém de D. António, Prior do Crato, como Rei de Portugal. Sim, devíamo-lo considerar o nosso Rei D. António I.
A inequívoca glória política de Almeirim decorreu durante a segunda dinastia pois os Filipes preferiram outras paragens e pouco eficazes foram as obras a que mandaram proceder no Paço.
Entretanto, com Corte ou sem ela, a vida foi andando e os vinhedos mostraram ser resistentes às cheias anuais do Tejo até que o Marquês de Pombal deu ordens para se arrancarem todas as vinhas da região. Prevaleceu o lobby duriense. Outras culturas se seguiram pois as populações não vivem do ar e como naquelas épocas não havia BCE que nos sustentasse o improdutivo consumismo, havia que produzir para viver.
Saindo da ribalta política, Almeirim consolidou-se como uma das regiões agrícolas mais importantes do país mas, mesmo assim, recusou-se a entrar no esquecimento e em 1811 as tropas luso-britânicas, acantonadas na Vila, evitaram a travessia do Tejo pelas tropas de Massena sedeadas em Santarém. Com os franceses estava a Legião Portuguesa a que pertencia o 3º Marquês de Alorna, D. Pedro de Almeida Portugal, que após os conhecidos desaires militares seguiu para França. Acompanhando Napoleão até à Rússia, este natural de Almeirim acabou por suportar a derrota que em 1812 lhes foi imposta pelo célebre General Inverno e morreu em 1813 bem longe da terra natal, na principal cidade da Prússia Oriental, Königsberg.
Foram por certo a vontade de progresso, uma certa raiva contra os símbolos que lembrassem o passado e sobretudo muita ignorância histórica que conduziram à eliminação dessa relíquia que foi o Paço de Almeirim. Em 1927 Raul Proença comentava: Hoje, todo este quadro desapareceu. Do palácio nada resta. As suas derradeiras ruínas foram demolidas estupidamente no Verão de 1889.
E se hoje nada podemos fazer para remediar tanta estupidez no passado, pois que fique a memória dos males que a ignorância pode provocar. O que hoje podemos e devemos fazer é substituir a ignorância pelo conhecimento e, de preferência, pela Cultura.
Resta-me a esperança de que os Professores de História dando aulas no Ribatejo façam desta cronologia leitura obrigatória dos seus alunos e espero que outras Autarquias se inspirem neste belo exemplo para nos contarem o que se passou nas suas terras.
Lisboa, Julho de 2008
Henrique Salles da Fonseca