DITOS ANTIGOS
Basta já termos alguns anos para nos lembrarmos dos antigos dizerem que Fulano ou Beltrano estava muito doente, que «tinha a espinhela descaída».
Sempre me intrigou tal expressão e foi debalde que perguntei e gente antiga mais ou menos culta ao que se referia tal moléstia. A primeira vez que ouvi a expressão foi ao médico que assistia aos meus Avós.
Para grande alívio do meu Avô que julgava estar com uma insuficiência coronária a que então se chamava «angina de peito», o médico disse-lhe que não era isso que ele tinha, que sossegasse, que talvez fosse a «espinhela descaída». Bastava ir ao hospital fazer uma radiografia e ficava-se logo a saber se era isso ou não. Mas que angina de peito não era pois o electrocardiograma não enganava.
Pela radiografia se ficou a saber que também não era a espinhela que o incomodava e... já esqueci a conclusão do diagnóstico e tratamento sequente mas ele acabou por morrer muitos anos mais tarde duma causa para que ainda hoje, passados 40 anos, não há cura: idade muito avançada.
E volta que não volta, lá ouvia eu referências à famosa «espinhela descaída». Neste sisma andei quase meio século até que há dias numa conversa de esplanada no meu clube veio o tema à baila e, mais uma vez, nem cultos nem remediados de Cultura souberam responder. Mas uma das presentes era a minha prezada amiga Dr.ª Elsa Simão, ilustre investigadora de ciências farmacêuticas, cuja curiosidade se deve ter sentido “picada” e, vai daí, pôs-se à procura da solução do mistério.
Passados uns dias estava eu em casa a estudar outros assuntos na Internet e eis senão quando noto que tinha uma mensagem nova na caixa de correio. Fui ver e... a neve não caía do azul-cinzento do Céu, nem branca e leve nem branca e fria... Era, sim, uma mensagem da minha amiga farmacêutica que me esclareceu definitivamente sobre o significado da expressão misteriosa.
Então, assim reza a Wikipedia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Espinhela que cito sem transcrever na íntegra para aguçar o interesse de quem quiser saber mais:
- Espinhela descaída é a designação popular de uma doença caracterizada por forte dor na boca do estômago, nas costas e pernas, além de um cansaço anormal que acomete o indivíduo ao submeter-se a esforço físico. Segundo a tradição popular, a espinhela é um osso pequeno, flexível, parecendo um nervo, que se encontra no meio do peito, entre o coração e o estômago e que pode curvar para dentro.
Mais objectivamente, trata-se da ossificação do apêndice xifóide, cartilagem no extremo inferior do externo, que desse modo perde a flexibilidade e passa a interferir com os órgãos próximos – estômago, diafragma, fígado, pâncreas – causando incómodos como os referidos, ou seja, gastralgias, vómitos, perturbações respiratórias, pancreáticas e hepáticas.
Da terapêutica moderna nada refere a dita enciclopédia mas do receituário antigo faziam parte certas rezas que se dizia serem muito eficazes.
Espinhela descaída, portas para o mar;
Arcas espinhelas, em teu lugar.
Assim como Cristo, Senhor Nosso andou,
Pelo mundo arcas espinhelas levantou.
Mas havia quem se sentisse melhor com estoutra:
Espinhela descaída, ventre derrubado,
Eu te ergo, eu te curo, eu te saro.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
Da espinhela descaída estás curado.
E os exemplos são tantos que seria fastidioso transcrevê-los. De qualquer modo, se quem me lê sentir algum daqueles sintomas, sugiro que procure o médico e não o xamã. Posso garantir de fonte segura que não foi com rezas que o meu Avô – uma das pessoas mais eruditas que alguma vez conheci – se curou mas sim e apenas com o apropriado conselho médico.
Junho de 2008
Henrique Salles da Fonseca