Curtinhas nº 54
APRENDIZES DA AGIT PROP
Com a pompa que a ocasião pedia, o Ministro das Finanças, temendo talvez que o ânimo dos seus concidadãos falecesse, veio a público dizer: “Que a quebra na receita do IPP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos) tem sido mais que compensada pelo aumento da receita do IVA sobre as vendas de combustíveis líquidos”.
v Abençoada alma que assim, de uma penada, nos assegura duas coisas: (1) que a consolidação orçamental pelo lado da receita fiscal prossegue contra ventos e marés, não havendo nada que a tolha; (2) que mesmo o modesto refrigério que seria ver diminuir o dinheiro que confiamos ao Fisco (ainda que por mercê do preço do crude e da correspondente diminuição no consumo), mesmo esse nos está vedado.
v Só que o Ministro, talvez com a pressa de evitar pânicos perigosos e contentamentos infundados, ou teve um lapsus linguae, ou não sabe fazer contas de cabeça, ou toma-nos a todos por tontinhos.
v Aviso: Se o Leitor tem horror a expressões algébricas (como a matéria tinha do vácuo antes de Max Planck vir afirmar o contrário), suspenda a sua marcha por este trilho e salte já para as conclusões, mesmo no final.
v Sejam
Qj – a quantidade de gasolina (o raciocínio para o gasóleo e para o total de combustíveis líquidos é em tudo idêntico) vendida no período (seja, o mês) j (j = 0, 1)
Gj – o preço base da gasolina no retalho (formado por três parcelas: a parcela da refinaria, a parcela do distribuidor e a parcela do posto de venda), antes da carga fiscal, no período j (j = 0, 1)
TIPP - a taxa do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (IPP), um imposto específico por litro de gasolina vendido (esta taxa é idêntica em ambos os períodos)
TIVA - a taxa do IVA sobre o preço final da gasolina no retalho (esta taxa é idêntica em ambos os períodos)
IPPj – a receita fiscal gerada pelo IPP, no período j (j = 0, 1)
IVAj – a receita fiscal gerada pelo IVA, no período j (j = 0, 1)
D- o símbolo (na realidade um operador algébrico) que traduz a diferença de valores da variável indicada, entre o período 0 e o período 1 (DX = X1-X0)
q = DQ/Q0 - a taxa de variação das vendas de gasolina, em quantidade, entre o período 0 e o período 1 (no caso português, nestes últimos meses, q<0)
g = DG/G0 - a taxa de variação do preço base da gasolina, entre o período 0 e o período 1 (no caso português, nestes últimos meses, g>0)
v DIPP = (Q1-Q0).TIPP ; como Q1<Q0 (as quantidades de gasolina vendidas caíram do período 0 para o período 1, conforme foi anunciado) então DIPP < 0. A receita fiscal do IPP varia linearmente com as quantidades de gasolina vendidas, como seria de esperar de um imposto específico que se preza.
DIVA = [Q1.(G1+ TIPP)- Q0.(G0+TIPP)].TIVA = [(Q1-Q0).G1+(G1-G0).Q0+(Q1-Q0).TIPP].TIVA = =[DQ.G1+DG.Q0+DIPP].TIVA em que DQ.G1 < 0, DIPP < 0 e DG.Q0 >0
Pelo que se vê, nem sequer é evidente que DIVA > 0, quanto mais DIVA > DIPP como o Ministro pretende
v DIVA > 0 só se g = DG/G0 > [-q/(1+q)].(1+TIPP/G0)
E para que DIVA > 0 é necessário, mas não suficiente, que g > -q/(1+q) > -q (pois, no caso que aqui interessa, q <0) – ou seja, a taxa de variação do preço base da gasolina (g) tem de ser estritamente superior à taxa de variação, em valor absoluto, da quantidade de gasolina vendida (q) (o que não é de todo impossível sempre que a elasticidade-preço da procura de gasolina seja muito baixa, como parece acontecer entre nós).
Com os dados disponíveis, para que DIVA>0, g > 2.6x[-q/(1+q)] (aproximadamente). A receita fiscal do IVA não diminuirá se, por exemplo, para uma quebra de 6% nas quantidades de gasolina vendidas o aumento no preço base da gasolina aumentar for não inferior a 17%.
Com os dados que têm vindo a público, é plausível que as receitas fiscais do IVA sobre as vendas de gasolina se tenham mantido ou, na pior das hipóteses, tenham conhecido uma ligeira quebra (o que bastaria para desmentir o optimismo do Ministro).
v Mas o que o Ministro quis dizer foi coisa bem diferente: Que DIVA+DIPP > 0 (que o acréscimo nas receitas fiscais do IVA sobre as vendas de gasolina, um imposto ad valorem, mais que estão a compensar a quebra registada no IPP, que é um imposto específico).
v Ora DIVA+DIPP > 0 se e só se g = DG/G0 > [-q/(1+q)].{1+[(1+TIVA)/TIVA].TIPP/G0}
Com os dados disponíveis, para que DIVA+DIPP > 0
g > 10.3x[-q/(1+q)] (aproximadamente).
Assim, se a quebra nas quantidades de gasolina vendidas for de 6%, a receita fiscal gerada na venda de gasolina, só não baixará se o preço base da gasolina subir não menos que 66% (números redondos).
v Em conclusão:
- A quebra verificada nas quantidades de gasolina vendidas arrastou inevitavelmente a receita fiscal do IPP.
- Não é de todo improvável que a receita fiscal do IVA sobre as vendas de gasolina tenha permanecido praticamente indiferente à quebra verificada nas quantidades de gasolina vendidas – e, em sede de IVA, é natural que o Ministro veja com satisfação a escalada do preço base da gasolina, confiando que a procura de gasolina continue como até hoje, rígida (isto é, bastante insensível às oscilações do preço).
- O que é quase impossível é que o aumento da receita fiscal do IVA sobre as vendas de gasolina (se é que aumento houve), tenha compensado a queda linear da receita fiscal do IPP, como o Ministro lançou aos quatro ventos sem rebuço.
- Que ao Ministro não ocorra assim, de um momento para o outro, o que se está a passar no seu Ministério, compreende-se – afinal são tantos os seus afazeres.
- Que o Ministro, quando interrogada, se sinta na obrigação de dizer a primeira coisa que lhe venha à cabeça, mesmo que seja um deslize, explica-se – afinal é mais um português que gosta de ter sempre uma resposta na ponta da língua.
- Agora, que o Ministro desconheça a estrutura dos problemas maiores com que ele e o país têm de lidar, isso é que já custa um pouco mais a aceitar.
Lisboa, Maio de 2008
A. PALHINHA MACHADO