Antonio Gonçalves Dias
Uma biografia historiada
Quando menino era uma criança viva, travessa, um verdadeiro moleque que gostava de subir em árvores e nadar nos rios. Para estudar matemática e caligrafia era preciso a ameaça de uma palmatória. Nasceu a 10 de agosto de 1823, em Caxias, Maranhão, quando o país vibrava numa onda de patriotismo, após o grito do Ipiranga de 7 de setembro de 1822. Era filho do comerciante português João Manuel Gonçalves, homem ríspido e calado, e da mestiça da terra (cafuza) Vicência Mendes Ferreira.
Pouco tempo depois do nascimento do filho João Manuel temendo a violência dos nacionalistas embarcou para Portugal. Só dois anos depois quando os ânimos estavam mais calmos voltou para Brasil. Em Caxias, na Rua do Cisco, abriu uma casa de comércio onde o menino Antonio brincava. Quando João Manuel se casou com a senhora Adelaide de Almeida Antonio estava com seis anos e foi afastado da mãe biológica, só voltando a vê-la aos 15 anos de idade. Crescia esperto, inteligente. Rapazola, trabalhava com o pai como caixeiro. Nas horas de folga, curioso, lia tudo o que lhe caia às mãos. Percebendo o gosto do filho pela leitura contratou um professor particular (Ricardo Leão Sabino) para educá-lo. Assim, Antonio ficou livre da loja para estudar latim, francês e teologia, gostava de ler a vida de Santo Tomás de Aquino.
Entusiasmado com o desenvolvimento do rapaz, o professor conseguiu convencer João Manuel a se transferir para Lisboa para que Antonio prosseguisse os estudos. Mas pouco tempo depois, em Portugal, no mês de junho, morre João Manuel e Antonio volta para Caxias. Inconformado com os desígnios do destino, o professor de Antonio insiste junto à madrasta para que ela cumpra a vontade do falecido marido. Foi bem sucedido. Em outubro de 1838 Antônio estava estudando e fazendo amigos em Coimbra. Mas não seria ainda desta vez que ficaria por lá. Após sofrer grandes prejuízos com a Balaiada (revolta popular maranhense contra a aristocracia rural), a senhora Adelaide corta-lhe a mesada, e ele se vê obrigado a voltar novamente ao Brasil. Estava em Caxias quando recebe uma carta dos amigos portugueses oferecendo-lhe “casa e bolsa” para voltar a estudar em Coimbra. Aceitou , e retornou pela terceira vez a Portugal. Correspondeu à oferta. Transformou-se num aluno exemplar. Lia e estudava os autores portugueses e franceses. Iniciou-se no italiano, inglês e alemão. Nas férias visitava Lisboa. Lá se apaixonou pela primeira vez. Tinha 18 anos e muita vontade de viver. Para Olímpia, a filha da sua hospedeira, fez os seus primeiros versos. Voltou a Coimbra. Cultivava-se. O tempo passava. Namorador, trocou a lisboeta por uma coimbrã. Eternamente insatisfeito, amava por pouco tempo, trocava de paixão com freqüência, idealizava um amor que não chegava. A saudade da sua terra crescia. Aos vinte anos faz seus primeiros versos de amor pelo Brasil. Versejava:
“...” Em cismar sozinho, à noite/ Mais prazer encontro eu lá/ Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”.
Finalmente em 1845, aos 21 anos, torna-se bacharel em direito. Volta à terra natal!
Traz no bolso muitas poesias e pouco dinheiro. Seu amigo Antonio Henriques Leal descreveu-o:
“Como Horácio e Dante, era de baixa estatura, não mais que um metro e meio. Bem proporcionado e musculoso. Tinha mãos e pés mui pequenos, agilidade nos movimentos, passo curto e apressado, e grande disposição para andar a pé. Seus olhos pequenos, pardos, serenos mui ativos e expressivos espelhavam a franqueza de seu caráter e acentuavam aquele móvel e simpático rosto. A boca e o nariz regulares, sendo as asas deste um pouco arregaçadas; tez morena, barba e cabelos raros castanhos, macios, anelados nas extremidades, sem contudo denunciarem, quer eles ou as maçãs do rosto, por mui salientes, sua origem mestiça.”
Depois que experimentara outras plagas, agora em Caxias, aborrecia-se. Não agüentava o marasmo de cidadezinha. Os tempos para ele eram outros. Escrevia para seu amigo Alexandre Teófilo, que morava em São Luis :
“-... cada vez mais vulgarismo, mais tédio, mais aborrecimento...”.O amigo penalizado convida-o para morar em sua casa, o que ele aceita. No casarão da família viviam muitos parentes. Antonio gosta do ambiente elitizado. Lá conhece a prima do amigo. Encanta-se com a alegria e formosura da jovenzinha de 14 anos, Ana Amélia. Inspirado escreve:
“Eu amo seus olhos tão negros, tão puros/ . De vivo fulgor / seus olhos que exprimem tão doce harmonia/ Que falam de amores com tanta poesia/ Com muito pudor”.
Escreve, ainda na casa do amigo, a sua primeira poesia indianista: “O canto da Piaga”.
Em 1846 vai para o Rio de Janeiro e mesmo sem dinheiro hospeda-se num dos melhores hotéis de lá. Fuma charutos caros. Dizia:
“Não nasci com gênio de mãe de família, que reparte com exatidão matemática o pão entre os filhos que tem”.
Levava a vida folgada. Das 9 às 14 horas freqüentava a Biblioteca Nacional. Depois escrevia, e visitava os amigos. À noite ia aos teatros, bailes, e namorava. Improvisava versos na conquista feminina.
Seis meses depois que chegara ao Rio, produziu em janeiro os “Primeiros Cantos”, sucesso da critica brasileira e da portuguesa. Entusiasmado escreve em português arcaico “A Sextilha de Frei Antão”. No santo ócio procura inspiração. Publica os Segundos Contos , outro sucesso. Mas por fim acha que é hora de arranjar algum emprego. Torna-se professor de latim, num colégio de Niterói. Em 1849 passa para o famoso Colégio Pedro II, onde leciona latim e história.
Tem outro caso de amor. Desta vez é uma viúva. Em 1851 publica os Últimos Cantos.
“Meu canto de morte / guerreiros ouvi/ Sou filho das selvas/ Nas selvas cresci; /Guerreiros, descendo da tribo tupi”. Ijuca-Pirama é saudado como a obra prima da poesia indianista.
A serviço do governo, recebe a incumbência de estudar a instrução pública do Norte do país e colher documentos e históricos nos arquivos das províncias. Na viagem volta à casa do amigo Alexandre Teófilo em São Luis. Reencontra Ana Amélia, agora uma risonha e bonita mulher de 20 anos. A admiração romântica se transforma numa paixão avassaladora. Esquece o trabalho, Deixa-se ficar, despende o tempo em passeios e brincadeiras com a jovem. Ninguém desconfia do seu interesse romantico. Mas o governo cobra o trabalho. Precisa partir para outras plagas. Sem coragem de falar abertamente, escreve uma carta para a mãe de Ana Amélia pedindo-a em casamento. Seu pedido é recebido com revolta e espanto. Como é que um mestiço, filho ilegítimo, se atreve a pedir a mão da jovem de conceituada família! A resposta negativa chegou a Recife, onde Antonio estava, num curto e seco bilhete de quatro linhas. O poeta tão bem quisto e querido agora era desprezado pela família de quem ele mais amava. Agora tinha motivo para se sentir infeliz. Sente-se diminuído. Não tenta lutar pelo amor proibido.
Volta ao Rio e conhece Olímpia Coriolano da Costa, uma mulher ainda jovem, muito pálida, de aspecto doentio, sem nenhuma animação, três anos mais velha que ele. Não se sabe o porquê, se para esquecer Ana Amélia, se para ser aceito no seio de uma família branca, ou se por compaixão por tão frágil criatura, ele se casou com ela, em 1852.
Ele volúvel, ela orgulhosa, logo começaram entre eles os desentendimentos. Nomeado em 1854 oficial da secretaria dos Negócios Estrangeiros, passou a viver em constantes viagens. Em Paris nasceu-lhes Joana criaturinha franzina e fraca que, ignorada pelo pai, viveria pouco. Antonio detestava a família.
Em Lisboa reencontra o seu velho amor, Ana Amélia, agora casada. Mas tudo não passa de um breve encontro. Escreve poesia sobre a sua dor.
Abandonada pelo marido Olímpia volta para o Brasil. Ele viaja pela Europa, visitando escolas de diversos países. Vivem separados. Continua conquistador. Um amor na França, outro na Alemanha. Um editor alemão publica em português alguns dos seus trabalhos.
Regressa ao Brasil e logo vai a trabalho para o Ceará. Visita sua terra natal, enquanto sua mulher continua no Rio de Janeiro. Durante dois anos estuda os indígenas e faz levantamentos sobre a atividade econômica da região. (Pernambuco, RG do Norte, Ceará e Maranhão). Como não encontra índios puros, vai para o Amazonas, atinge o Peru. Nessa viagem sofreu com as condições precárias e insalubres da região. Em 1862 volta ao Rio bastante doente. Era o fígado, os pulmões e o coração cobrando a sua conta. Teve malária, febre amarela, tumores linfáticos. Em Portugal, os médicos já haviam diagnosticado em 1846 doenças venéreas, marcas de uma vida amorosa dissoluta.
Não voltou para casa, não suportava a presença de Olímpia.. Preferiu ir para um Hotel, onde recebeu a visita de D. Pedro II, admirador da sua obra literária. Debilitado quer voltar a São Luis. Passa em Recife onde um médico o aconselha a se tratar na Europa, onde os ares lhe são mais propícios. É tão precária a sua saúde que só sob pressão de gente influente o comandante do navio Grand Condé deixa-o embarcar.
Na Europa vai para uma estação de cura e encontra Celina, um dos seus antigos amores. Tem uma débil melhora. Mas sente vontade de voltar à sua terra onde canta o sabiá. Embarca para o Brasil no Ville de Boulogne. A viagem é penosa. Alimenta-se pouco, fraco, quase não pode caminhar. Escreve:
“Não permita Deus que eu morra/ Sem que desfrute os primores/ Que não encontro cá...”.
Ao avistar-se a costa brasileira pede para ser levado ao convés. Quer ver a sua terra que se aproxima. No dia seguinte a 3 /10/1864, na costa do Maranhão, o navio naufraga. Todos se salvaram, menos Antonio Gonçalves Dias que imobilizado no seu leito agonizava, aos 41 anos de idade. Morreu nas águas de seu país, após ver pela ultima vez as palmeiras do litoral que tanto amava.
Biografia retirada do fascículo N.o 17 da coleção:
Grandes Personagens da Nossa História (Editora Victor Civita).
Resumo e adaptação por
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 13/05;08