LIDO COM INTERESSE – 26
Título: PENSATEMPOS
Autor: Mia Couto
Editores: CAMINHO
Edição: 1ª, Abril de 2005
Se literatura é uma fantasia intemporal bem escrita, então neste livro não há literatura apesar de estar bem escrito.
Como se pode adivinhar pelo título, o Autor trata aqui de nos apresentar o que pensou em certos momentos sobre assuntos bem específicos, nomeadamente da vida do seu país, Moçambique. Por estes dois tipos de razões – realismo e fixação no tempo – me aventuro a dizer que não temos aqui a mais pequena sombra de literatura. Resta, isso sim, a boa escrita.
As palestras que Mia Couto fez um pouco por toda a parte, os artigos que escreveu para diferentes jornais e revistas, devem ter sido escolhidos segundo um critério que o leitor não descortina e fica por vezes a imaginar que houve uma passagem aleatória pelo baú dos textos passados. Contudo, há dois temas com que nos cruzamos por aqui e por ali que chamaram a minha especial atenção: um evidente rancor contra Portugal; uma afirmação linguística contra o português europeu.
Não tem cabimento o crítico entrar em discussão com o autor da obra criticada mas eu não pretendo outra coisa que não sugerir leituras aos meus leitores. Não tenciono passar por crítico e, no limite, poderei considerar-me apenas um sugestor: aquele que sugere temas que poderão merecer o interesse de outras pessoas.
Assim me permito chamar a atenção para duas realidades que me parecem dignas de nota: toda a sua animosidade para com Portugal não o impediu de vir cá publicar os seus livros – e seja bem-vindo; tanto este como os outros livros que li de Mia Couto estão escritos de um modo em tudo semelhante ao estilo de qualquer escritor com banca assente no Chiado – como se compreende em quem é filho de portugueses.
Identificadas estas duas flagrantes incongruências, temo pela construção de um conceito de nacionalidade tomando como base os defeitos apontados a outrem e não em valores de mérito endógeno dessa nacionalidade nascente. Porque não acredito que o Autor se identifique com o seu país apenas nesta construção negativa, sou levado a crer que o critério de escolha dos textos não terá sido o mais feliz. Ou, então, foi-lhe definido pelo editor que naquela época ainda vogava em águas claramente internacionalistas e anti-portuguesas. In illo temporae…
A afirmação linguística contra o português europeu também me parece um critério absurdo pois não faltará que um dia o Autor se veja obrigado a adulterar propositadamente o seu estilo – evidentemente europeu – só para se afirmar no seio de uma nova língua. Mas como as afirmações mais radicais sobre esta questão foram proferidas numa conferência na Academia Brasileira de Letras, não será de estranhar que em sede de lobby se desenvolva esse mesmo centro de interesses. Mal seria aceitar um convite e em plena festa dizer mal do dono da casa.
Mas ultrapassados os pontos que me chocaram, reconheço que há muitos outros – inclusivamente sobre temas tão diversos como a biologia, o tsunami, a política interna moçambicana – que aplaudo e que me levam a dar nota positiva ao interesse que o livro me despertou. Nem faria sentido inclui-lo nesta rubrica se da leitura não resultasse interesse.
Aqui deixo esta sugestão de leitura. Para além de outras razões, parece-me bem interessante e da maior oportunidade quando está tão acesa em Portugal a discussão da ratificação ou não-ratificação (voto na negativa) do Acordo Ortográfico. E dentro desta questão, eis um magnífico exemplo do panegírico do progressismo linguístico a ser feito de um modo claramente conservador.
Lisboa, Maio de 2008