PÁGINAS SIMPLES DE DOMINGO - 4
COISAS SIMPLES
Dia útil significa que outros haverá, os Sábados e Domingos, que são inúteis.
Para quem tem Fé e celebra ao Sábado ou Domingo, essa classificação não faz sentido; para quem trabalha duramente de segunda a sexta, é aos fins-de-semana que descansa e não pode concordar com a inutilidade desses dois escassos dias; quem está aposentado ou vive dos rendimentos não tendo uma missão muito específica a desempenhar enquanto os outros trabalham, não vê por certo qualquer razão para distinguir os dias segundo um critério de inutilidade.
Portanto, os Sábados e Domingos são dias tão úteis como os outros mas há neles que escrever sobre coisas simples que não desviem a atenção de quem celebra segundo a sua Fé ou dos que queiram apenas recuperar forças para a semana seguinte.
Esta, a justificação tardia para o título genérico desta rubrica, “Páginas simples de Domingo”.
Coisas simples são triviais, conhecidas de todos, vulgares. O dicionário ainda lhe junta mais o adjectivo ordinário, palavra de que não gosto por possível confusão com ordinarice. É que com esta não pactuo em qualquer dia da semana, útil ou inútil.
E das coisas mais triviais que hoje conhecemos, refiro o tom dramático dos noticiários que nos são metidos em casa explorando tudo o que há de negativo em Portugal como que a quererem convencer-nos de que por cá tudo é mau e que lá fora é que é bom. É que a exploração da morbidez e da inveja faz audiências e estas dão publicidade que factura. E assim anda o País a reboque da factura de uns poucos enchendo as bocas de quase todos com desgraças e maledicências.
Até que um dia houve em que uma televisão transmitiu um filme pirata duma professora e uma aluna à luta em plena sala de aula. Foi aí que o País viu a desgraça real em que se deixou cair e em que o escândalo foi mesmo sério. Mas pouco terá facturado pois ninguém imaginava que o impacto iria ser tão grande. E os cultivadores da desgraça, os que querem que tudo assim continue, logo arranjaram argumentos para punir o verdadeiro “Salvador da Pátria” que foi o aluno que fez o filme e nos mostrou como nos faz falta um enorme puxão de orelhas.
Os Professores fazem-me hoje lembrar os domadores de feras. Deixaram de ter como principal missão ensinar o programa oficial, passaram a ter que domar umas criaturas que os pais largaram na praça pública aos gritos de que tudo lhes é devido, que a tudo têm direito sem esforço. É assim que os políticos têm falado aos paizinhos e estes transmitem aos filhos todas essas irresponsabilidades transfiguradas em direitos. Para agravar a situação, esses paizinhos demitiram-se da função de educadores e endossaram essa tarefa aos Professores que tiveram que a somar à que inicialmente lhes competia e que era muito simplesmente a de aduzirem cultura geral aos alunos.
É claro que agora o esforço de retorno à vida responsável a nível nacional, ao inadiável realismo, vai ser um processo muito doloroso e os primeiros a apanharem por tabela são os Professores. E como os paizinhos não perceberam que a vida de irresponsabilidade que o regime de laxismo lhes incutiu já acabou, revoltam-se e … vão às Escolas bater nos Professores. E quem não consegue bater-lhes, calunia-os, nomeadamente na Internet.
Entretanto, conduzida a Justiça a um estado de evidente inoperância, isso sugere aos caluniados que não actuem pelas vias que seriam utilizadas numa qualquer sociedade em que a ética da responsabilidade[1] fosse um valor no activo.
Eis como em Portugal está em curso um parto com dor.
Eu tinha prometido tratar de coisa simples. Espero ter cumprido.
Lisboa, Maio de 2008
Henrique Salles da Fonseca
[1] - Sobre a ética da responsabilidade, v. Sloterdijk, Peter – ‘Palácio de Cristal’ – Relógio d’Água, 1ª Edição, Fevereiro de 2008