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A bem da Nação

Burricadas nº 29

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Ai, Alan, Alan. que rica herança nos deixaste - VI

v      Que esta não é uma crise bancária “canónica” (pelo menos, no seu início), já poucos duvidam. Porque segundo o cânon as crises bancárias começam com os depositantes, aflitos, a retirarem todo o seu dinheiro dos Bancos (o que ainda não aconteceu, excepção feita ao Northern Rock Bank, no Reino Unido) e terminam com inúmeras falências e outras tantas injecções de dinheiros públicos.

v      Até agora, quase tudo se tem passado no selecto círculo dos mercados interbancários, que praticamente secaram de um dia para o outro. A dura realidade é que os Bancos deixaram de emprestar fundos uns aos outros, ainda que só por prazos muito curtos. Por precaução, preferem manter esses fundos sob a forma de depósitos junto do Banco Central – ou utilizam-nos para adquirir títulos que, em caso de necessidade, dêem acesso imediato às facilidades de liquidez estabelecidas pelo Banco Central.

v      E em vez de uma “corrida aos Bancos” por parte do vulgar depositante (o episódio do Northern Rock Bank, como disse, é um caso por enquanto excepcional), assiste-se, sim, a uma “corrida aos resgates” (de unidades de participação em Entidades de Investimento Colectivo) – e ao paralelo definhamento de tantas e tantas linhas interbancárias.

v      Resultado: a distribuição da liquidez, quer a nível global, quer no interior dos sistemas bancários nacionais, está a ficar cada vez mais assimétrica. E se hoje alguns Bancos se debatem já com problemas de liquidez, é muito provável que, no futuro próximo, os sistemas bancários que dependam estruturalmente de fundos externos venham a encontrar-se em situação semelhante – e, com eles, as respectivas economias. Cuidado! Crises cambiais dispersas não se encontram tão distantes assim!

v      Curioso. Do que é dado ver, dir-se-ia que esta crise foi desencadeada precisamente pela disciplina do mercado. Uma disciplina talvez demasiado exacerbada, aqui e ali com tiques de histeria – mas que, não obstante, traduz de modo inequívoco a reacção dos “pares” (isto é, dos Bancos parceiros nos mercados interbancários) perante situações, ou a suspeita de situações consideradas excessivamente expostas a determinados riscos.

v      Ora, a disciplina do mercado foi pensada para servir de defesa avançada das Autoridades Monetárias – uma espécie de sistema imunitário que eliminaria, logo no embrião, comportamentos imprudentes, excessivo apetite pelo risco e insuficiências, apenas suspeitadas, de capital.

v      Será esta crise um caso patológico de imunodeficiência, em que os defensores (a disciplina do mercado) se voltam contra aqueles que deveriam proteger (a estabilidade do sistema financeiro, a margem de manobra das Autoridades Monetárias e, em última análise, o dinheiro dos contribuintes)?

v      Se for, é preocupante. Desde logo porque, no quadro de Basileia II, a disciplina do mercado (e a “vigilância dos pares”) é um dos três pilares sobre os quais assenta a estabilidade dos sistemas financeiros (sendo os outros dois: o nível de capitalização dos Bancos e a supervisão prudencial por uma entidade independente). Vê-la a desestabilizar causa arrepios – e suscita uma pergunta fatídica: será que a arquitectura actual do sistema financeiro é tão sólida quanto os seus mentores não se cansam de repetir?

v      Sim e não. Explico-me: sim – porque aqueles três pilares bastam para manter qualquer sistema financeiro suficientemente estável; não – porque Autoridades Monetárias, Reguladores e Supervisores não parecem estar ainda preparados para exercerem de forma producente as funções que o 2º pilar (a supervisão prudencial) lhes confia, tal como os “pares” têm ainda um longo caminho a percorrer até atingirem um estágio de vigilância (3º pilar) continuada e profícua. E esta crise veio revelar à saciedade isso mesmo.

v      Tivessem os “pares” sido mais vigilantes e, estou em crer, os Bancos com maior apetite pelo risco, ou demonstravam possuir capitais à altura, ou deparar-se-iam nos mercados interbancários com um custo de capital mais elevado, se não mesmo com menor disponibilidade de fundos – e, em tais circunstâncias, financiar posições expostas a grandes riscos não seria tarefa fácil.Tudo vai de saber, então, porque é que as coisas não se passaram exactamente assim? (cont.)

Lisboa, Abril de 2008

 A. PALHINHA MACHADO

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