Curtinhas XLIX
What else ou Debaixo da terra, só depois de morto
v 50 anos atrás, durante a preparação do II Plano de Fomento, havia uma certeza e um sem número de interrogações.
v Todos - Governo, técnicos e povo - concordavam num ponto: o atravessamento do Tejo próximo da foz era essencial para o desenvolvimento da Margem Sul e, por arrastamento, de uma região bem mais vasta, baptizada hoje como “Lisboa e Vale do Tejo”. As opiniões dividiam-se, porém, quanto à solução: Ponte? Túnel?
v Cálculos e estimativas mostravam que a solução “túnel”, mesmo que de uso misto (rodo/ferroviário), era a mais barata e a mais segura, fosse em caso de desastre natural (sobretudo, sismos, já que o leito do estuário assenta numa falha geológica), fosse em caso de guerra (estávamos em plena Guerra Fria e um novo conflito na Europa era um cenário bastante plausível). Só os incêndios davam alguma vantagem à solução alternativa, mas os técnicos asseguravam que esse risco poderia ser minimizado e que a integridade dos utentes em nenhuma circunstância estaria em perigo.
v O impasse era tão-só aparente. Por aqueles tempos, o processo de decisão, mesmo em questões menores, o que estava longe de ser o caso, surpreendia pela simplicidade: uma vontade - e todos (ou quase) muito contentes com a excelente decisão que a clarividente vontade tinha tomado.
v Levada a controvérsia a quem detinha o monopólio de decidir, houve decisão pronta e seca: “Quero obra que se veja!”. E fez-se a ponte.
v Veio-me tudo isto à ideia mal ouvi as primeiras discussões acesas em torno de um novo atravessamento no estuário do Tejo: Chelas/Barreiro; Beato/Montijo; Algés/Trafaria; de não sei onde para o lado fronteiro - pois importante, importante parece ser haver obra. Sempre pontes, what else.
Antevisão da ponte Chelas-Barreiro a partir do Castelo de S. Jorge, em Lisboa
v Sei que nada sei sobre o momentoso tema. Mas chama-me a atenção que ninguém habilitado tenha vindo ainda ao proscénio explicar ao povo povo, em linguagem que dê para perceber, por que fás e por que néfas a solução “túnel” foi, como tudo indica, liminarmente chumbada.
v A vantagem do custo, que a solução “túnel” tinha meio século atrás, perdeu-se entretanto de forma irremediável?
v O facto de o leito do estuário do Tejo, mais a montante, ser raso de água (o que permitiria, talvez, trabalhar em vala, sem beliscar a ecologia local) não é desafio bastante para a engenharia portuguesa?
v O mero detalhe que é ser mais fácil enterrar linhas férreas do que elevá-las uns bons metros acima da sua cota inicial não dará o desejado impulso à depauperada economia portuguesa, nem contribuirá decisivamente para combater o flagelo do desemprego?
v Ou, de modo mais prosaico, é ainda e sempre a mesma vontade clarividente, agora com uma multiplicação de novos rostos sempre iguais, a querer, simplesmente, “obra que se veja”?
Lisboa, Abril de 2008
A. PALHINHA MACHADO