ACORDO ORTOGRÁFICO – 2
A língua é elemento essencial de uma Nação não só como modelo de comunicação e veículo de uma Cultura mas também como instrumento de unidade e de cumplicidade histórica, elemento de distinção e efectivo modo de afirmação.
Discutir o Acordo Ortográfico não é, pois, fazer uma guerra do alecrim e da manjerona mas sim tratar de um elemento essencial da nossa vida colectiva.
O Acordo Ortográfico não pretende influenciar a língua a não ser na forma de a escrever. Deixa-a livre para ser pronunciada ao bel-prazer de cada um e não entra na sistematização de sentidos idiomáticos. Poder-se-ia assim imaginar tratar-se de documento menor mas na verdade todos lhe sentimos a importância e assim é que estamos muito motivados na sua discussão. Aliás, enquanto discutirmos um documento que alguns consideram menor, não discutimos aqueles, eventualmente maiores, que esses alguns possam querer fazer passar despercebidos tais como o Tratado de Lisboa e outros de gabarito semelhante que por ai andem.
Ninguém duvida de que a forma de escrever acaba por influenciar a pronúncia e está-se mesmo a ver que os nossos netos vão ter que aprender uma língua que terá substanciais diferenças relativamente à que nós, os avós e pais, falamos.
As perspectivas com que os lusófonos das várias latitudes observamos o Acordo em discussão têm a ver com as motivações de cada grupo. O único efectivamente dividido sobre a matéria é o desta Velha Lusitânia a que pertenço. Nos demais, consta haver unanimidade entre os eruditos já que, como quase sempre, o “povão” não é tido nem achado.
Como principais grupos de interesse, considero os de Portugal, os do Brasil, os dos outros luso-descendentes e, mais modernamente, os dos luso-ascendentes.
Sim, os luso-ascendentes são paradoxalmente mais modernos no processo do que todos os outros pois só há pouco tempo se puderam afirmar como Nação amordaçada encetando modernamente a reconstrução da língua perdida. É óbvio que me refiro aos galegos cuja lusofonia, à semelhança dos timorenses, é uma arma política no exacto sentido do primeiro parágrafo que escrevi neste mesmo texto. E é como arma política que por aquelas latitudes – Galiza e Timor – a língua portuguesa tem que ser considerada. Também o devia ter sido em Goa se por lá a lusofonia não tivesse baixado os braços para ser praticamente vencida pelo lobby anglófono. Mas talvez a Fénix ressurja das cinzas… como na Galiza.
A posição favorável ao Acordo assumida pelos lusófonos galegos tem tudo a ver com a necessidade de afirmação política e se entrassem no processo numa posição de contrariedade, não faltaria serem acusados de quererem chamar a si a paternidade da língua, imutável perante influências estranhas. Daí a sentirem-se banidos do processo evolutivo não faltaria muito. Estando eles numa fase de reconstrução da língua perdida, tanto lhes faz que o português continue ou deixe de ser assim ou assado: eles entram no comboio em andamento e não se preocupam com o lugar em que se sentam; o que querem é entrar no comboio. Pois que sejam bem-vindos mas só lhes peço que saibam que nós sabemos ao que andam e que a usucapião já nos deu a nós, portugueses, a paternidade da língua.
O Brasil é o grupo de interesses mais sonoro e o documento em discussão mais poderia ser chamado de Genuflexório da Língua Portuguesa Perante o Brasil. Só não vê quem não quer ver que o lobby editorial brasileiro ditou a maioria dos artigos do dito documento. Diz-se que com o objectivo estratégico da conquista do mercado editorial dos PALOP’s o que, a ser verdade, faz todo o sentido comercial.
O grupo africano de interesses apoia o Acordo apesar disso significar uma nova dependência perante o Brasil porque significa uma afirmação da independência em relação a Portugal e é a sublimação de adormecidos complexos de colonialismo. Só que talvez assim enveredem por um processo de neo-colonialismo de que Portugal os isentava por isso ser para nós historicamente espúrio, razão que os novos Senhores não reconhecem num mundo globalizado em que não se olha a meios para alcançar fins.
Não peças a quem pediu; não sirvas a quem serviu.
E se nós, portugueses, viermos a fazer a ratificação parlamentar do documento, é necessário que os Deputados saibam que nós, os dos joelhos tesos, ficamos desconfiados sobre a legitimidade dos interesses que eles terão servido.
Lisboa, Abril de 2008
Henrique Salles da Fonseca