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A bem da Nação

Burricadas nº 26

 

 

 

 

 

Ai, Alan, Alan. que rica herança nos deixaste - III

v      Se outro mérito a presente crise financeira não tivesse, teria pelo menos este de nos mostrar que a instrumentalização das taxas directoras não é medida que as Autoridades Monetárias possam usar e abusar a seu bel’ prazer: uma economia só tolera situações de ineficiência dinâmica em conjunturas excepcionais e por prazos relativamente curtos (eis um ponto a favor do BCE).

v      No plano da estabilidade dos sistemas financeiros (isto é, da supervisão prudencial), outras lições mais estão já aí para quem as quiser ver. Desde logo, recorda-nos que a criação de liquidez mediante operações de crédito bancário tem por contrapartida inevitável a exposição dos Bancos ao risco de crédito.

v      Se a expansão da liquidez (ou massa monetária) for muito rápida, várias questões devem preocupar, então, os supervisores: Como está a evoluir a perda esperada e a perda máxima provável em que cada Banco incorre? Permanecem invariantes? Ou estão a deslocar-se? Se as perdas esperadas forem, agora, outras, será que os Bancos as repercutem correctamente no preço do dinheiro? E se as perdas não esperadas (isto é, a diferença entre a perda máxima provável e a perda esperada) aumentarem, será que os capitais próprios dos Bancos continuam a poder comportá-las?

v      É que na génese desta crise não estiveram só taxas directoras que colavam a economia norte-americana a um cenário de ineficiência dinâmica. No mercado interbancário, as taxas de juro negociadas raramente levavam em linha de conta o risco de crédito que a contraparte tomadora (Banco ou Thrift) representava. E nas operações de crédito hipotecário residencial, pelo menos nestas, os preços praticados (isto é, as taxas de juro e as comissões a pagar pelo mutuário) também não eram fixados com especial acerto.

v      Tivessem os supervisores (nos EUA há três Autoridades de Supervisão: o FED, o Office of the Comptroller of the Currency e o Office of Thrifts Supervision) dedicado mais atenção ao que se passava nos mercados interbancários, e dificilmente muitos Bancos (e muitas Thrifts) teriam conseguido financiar, ainda que por períodos curtos, as suas carteiras de créditos hipotecários a custo tão baixo.

v      Tivesse havido, por parte daqueles supervisores, uma leitura mais perspicaz da agitação que se vivia no mercado hipotecário, e as condições aí oferecidas teriam sido outras, certamente menos cativantes para novos e velhos devedores (uma boa parte das operações subprime, como vimos, assenta em 2ªs hipotecas, os tais Home Equity Loans; outra parte não menos importante consiste em créditos hipotecários sobre residências secundárias, cujos devedores têm pelo menos mais outro empréstimo hipotecário para pagar).

v      Verdade seja dita, não foi esta crise que veio mostrar quão importante é para a estabilidade dos sistemas financeiros que o preço do dinheiro inclua a perda esperada (a chamada cobertura horizontal do risco de crédito) - essa é uma das regras de ouro do Novo Acordo de Basileia (Basileia II) e sobre ela está ser construída a nova arquitectura do sistema financeiro internacional.

v      Mas é uma regra que tem um triplo efeito, que a teoria ainda mal reconhece: (a) torna muito menos prováveis os cenários de ineficiência dinâmica; (b) rouba eficácia às estratégias de política monetária em preço (isto é, as estratégias baseadas na instrumentalização das taxas directoras); (c) acentua a natureza pró-cíclica dos modelos de supervisão que se inspirem em Basileia II.

v      Neste novo quadro, é toda a concepção tradicional da política monetária que tem de ser repensada. Os Bancos não são mais entidades neutras que a Autoridade Monetária pode tratar por igual no contexto dos mercados interbancários - quais retransmissores dos estímulos monetários que não distorcem o sinal.

v      Pelo contrário, para assegurar a estabilidade do sistema bancário e o ambiente competitivo entre os Bancos, o Banco Central, também ele, tem de observar a regra de ouro que preceitua a cobertura horizontal do risco de crédito, acima referida.

v      Isto significa que o Banco Central deve saber distinguir entre os Bancos, seus contrapartes, não tanto em função da respectiva dimensão, como ainda hoje acontece nas operações de open market (os leilões de liquidez organizados pelo Banco Central), mas, isso sim, à luz do grau de adequação dos respectivos capitais ao risco a que se encontrarem expostos. O que é dizer, do risco sistémico que representem aos olhos do supervisor.

v      Dito de outro modo: os Bancos Centrais ao tratarem todos os Bancos por igual (descontadas as respectivas dimensões), no âmbito dos leilões de liquidez, incentivam (ou, pelo menos, não contrariam) comportamentos oportunistas em matéria de exposição ao risco, designadamente o risco de crédito. E foi isso precisamente o que aconteceu, anos a fio - nos EUA e em praticamente todos os países do mundo.

v      É claro que tudo isto suscita uma série de perguntas incómodas: Estão as Autoridades de Supervisão em condições de avaliar o perfil do risco a que os Bancos (supervisionados e que são simultaneamente contrapartes nas tais operações de open market) se encontram expostos? Com que métodos? E como vão ser esses métodos aferidos?

v      Não bastava esta crise ter-nos mostrado que, na condução da política monetária, a exposição do sistema financeiro ao risco e o nível de capitalização dos Bancos (e de outras Instituições de Serviços Financeiros) são parâmetros tão ou mais importantes que as taxas directoras e o ritmo de expansão da liquidez (massa monetária) na economia.

v      Veio ensinar-nos também: (a) que o funcionamento dos mercados interbancários, contrariamente ao que se julgava, não favorecia a estabilidade dos sistemas financeiros; (b) que a disciplina do mercado (o 3º pilar de Basileia II) passa também pelos Banco Centrais, igualmente sujeitos à regra de ouro já mencionada nas operações de open market; (c) que a disciplina do mercado, para funcionar, faz apelo a modelos de medição do risco de crédito que ainda não foram testados – e com os quais as Autoridades de Supervisão estão ainda pouco familiarizadas; (d) enfim, que, com a disciplina do mercado, as estratégias tradicionais da política monetária são provavelmente bem menos eficazes do que se pensava. (cont.)

 

Lisboa, Março de 2008

 

A. PALHINHA MACHADO

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