Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A bem da Nação

ÍNDIA 3 - SAMADI

 

Samadi êxtase em sânscrito;estado em que os yoguis conseguem suspender quase totalmente a respiração e a circulação sanguínea; morte aparente

 

 

 

 

Qualquer europeu sente cheiros especiais logo que entra num avião indiano anunciando catering exótico mas à chegada à Índia já não é o ambiente fechado que inspira: é o próprio ar impregnado de mil aromas em que uns virão das plantas e outros... sabe Deus donde. Mas logo ali, à saída do aeroporto de Deli, tudo limpo e ajardinado, o visitante é recebido numa atmosfera agradável, higiénica, drenada. Na dúvida, logo nos oferecem um colar de flores, saudação tradicional indiana que muito apreciamos pela gentileza que o gesto encerra… e, potencialmente, dos odores que disfarça.

 

  

A vaca tem direito a pedestal, as pessoas posam no chão

 

E quando esperamos por pobreza, vacas a condicionar o trânsito, lixo nas ruas ou esgotos a céu aberto, ficamos agradavelmente surpreendidos por Deli ser uma cidade moderna como qualquer das que conhecemos na Europa ou Américas. Urbanismo digno de nota, o moderno de qualidade a escorraçar o velho, o antigo em vias de valorização, património histórico em restauro permanente. Os edifícios públicos todos (ou quase) do Império Britânico, os grandes blocos de apartamentos ou escritórios a não devassarem a intimidade das moradias familiares e seus jardins acabados de cuidar.

 

 A cidade velha de Deli tem perspectivas imponentes

 

A Velha Deli a exibir a sua função de raiz da Nação e, mais prosaicamente, de centro turístico fundamental.

 

No centro de Deli (ninguém refere a Velha ou a Nova mas apenas lhe chamam Deli) vê-se uma importante classe média a que os funcionários públicos não devem ser estranhos, vêem-se sinais de grande riqueza pelos carros e casas por que passamos, não vemos miséria. E eu perguntei onde vivem todos aqueles que não são funcionários superiores: em cidades adjacentes a que não fomos...

 

 

Residência do Maharajá de Jaipur, Senhor que foi do Rasputana, hoje Rajastan

 

Contudo, a cidade é fria. Não há onde ir a pé para um simples passeio, para tomar um café, para almoçar ou jantar. Não há alternativas credíveis para um europeu, há que ir em regime de pensão completa. E se as há, as alternativas, então devem ser tão longe do hotel Intercontinental The Grant que não as vi. Ah, já me esquecia: as Senhoras que tanto gostam de ir às compras, façam rumo por outro azimute; não há onde, para grande felicidade masculina.

 

  Agra, capital do Uttar Pradesh. Por aqui andou no séc. XVII o Padre António de Andrade,SJ a quem Sha Jahan pediu para arredar a missão católica a fim de construir o mausuléu à sua mulher, o Taj Mahal

 

No outro sentido, a cidade também estava fria neste Janeiro de 2008 pois houve uns ventos que desceram dos Himalaias e soubemos que numa daquelas noites que por lá estivemos os termómetros desceram aos -5º Centígrados. Sim, leu bem, negativos. No hotel o ar condicionado funcionou lindamente e no carro também. Felizmente, não havia onde ir às compras ou tomar um simples café.

 

 

O último vaso com cinzas de Gandhi poucos dias antes de serem espalhadas no Ganges

 

Uma curiosidade: Janeiro é o mês dos casamentos. Quando perguntei se pelo mesmo motivo que “dos gatos”, não perceberam o non-sense e responderam-me à séria: que é quando as colheitas foram vendidas e há dinheiro fresco. E somando todas as cidades que visitámos, devemos ter visto pelo menos uma vintena de casamentos de todas as religiões em presença.

 

E a propósito, na Índia nasceram religiões – hinduísmo e budismo – que comandam uma parte muito significativa da humanidade e há mesmo quem afirme que Cristo lá esteve no período não biografado. Sobre esta questão, há na Caxemira dois túmulos que inspiram grande mistério… e trazem o samadi à conversa.

 

 Quem estará dentro deste túmulo?

 

A religiosidade das populações é evidente e os cicerones sempre nos referem a composição social dos locais por onde passamos em função dos Credos. Por exemplo, no Rajastan e no Uttar Pradesh, a História e a arquitectura que os turistas visitam são muçulmanas mas a sociedade actual é maioritariamente hindu enquanto que Goa evidencia uma claríssima inspiração cristã e, mais concretamente, católica. Deli, a capital nacional, aparenta grande isenção sobre as matérias religiosas de modo a garantir o máximo de equidistância mas nas vésperas do Dia da República (26 de Janeiro) armou-se e resguardou-se como se esperasse um ataque feroz dos vizinhos muçulmanos paquistaneses ou de terroristas simulados. Em Mumbai (a que nós chamamos Bombaim), capital do Maharastra, a arquitectura por que passamos tem tudo a ver com a Inglaterra vitoriana mas sob o ponto de vista religioso o cicerone teve o cuidado de informar que o hinduísmo é maioritário. Contudo, o cosmopolitismo da cidade nada ostenta sobre a matéria. Qualquer turista não avisado pensaria que se trata de uma sociedade agnóstica a menos que tenha um motorista católico que fez questão de nos mostrar a Igreja da sua própria devoção, cujo orago não fixei, mas onde notei que por ali ronda um misticismo raro: pagadores de promessas rondando o templo, bancos cheios de devotos em horário comum, comércio de ex-votos. Realmente, não esperava.

 

  

Grande serenidade à volta do Instituto Pio X na cidade velha de Goa

 

Em Goa, é na Basílica do Bom Jesus que se encontra o túmulo de S. Francisco Xavier que indubitavelmente é o centro da Fé goesa. Contudo, o orago oficial do Estado é o Padre José Vaz, goês missionário no Ceilão no séc. XVII que em vida era considerado Santo pelas populações que servia mas que só foi beatificado em 1995. Dizem-me que está em curso o processo de canonização.

  

 

Vista do nosso quarto no Hotel Forte Aguada

 

A cidade velha, Goa propriamente dita, é património da UNESCO e é um conjunto notável de monumentos religiosos, todos em obras de conservação e intercalados por jardins primorosamente arranjados.

 

Aliás, é impressionante o esforço de manutenção e de recuperação de monumentos nos cinco Estados por que passámos e, do que vimos, não se pode imaginar quando as obras possam ser dadas por concluídas pois a profusão monumental é tão grande que se há palácios já visitáveis e em plena “facturação”, muitos outros ainda estão em trabalhos de arqueologia primária e…

 

Uma nota que me parece importante para acabar esta primeira parte da reportagem: nestes 15 dias que deambulei pela Índia constatei relações totalmente pacíficas entre hindus e cristãos e um proselitismo muçulmano por ali muito suave. Até quando? Falava-se com alguma inquietude sobre o Paquistão.

 

(continua)

 

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2008

 

Henrique Salles da Fonseca

 

 

1 comentário

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D