VICE-REINADO DO PRATA – DOMÍNIO INGLÊS NO PRATA - 6
A ANARQUIA E O CAUDILHISMO - A ÉPOCA DE ROSAS
Final da parte 5: Surge a figura do caudilho Rosas no campo, enquanto na cidade o governo de Darrego se mantém com dificuldades até que a rebelião de Lavalle o vence. Darrego representava os princípios do federalismo e Lavalle ao vencê-lo, defronta, por isso mesmo, a oposição dos caudilhos provinciais contrários a tendência unitária considerada ameaçadora. Todos os caudilhos negam apoio a Lavalle, inclusive Rosas. Em Abril de 1829 ele é derrotado e abandona o poder. Tem início na história da Argentina o período conhecido como época de Rosas.
Os acontecimentos em suas linhas fundamentais podem ser assim resumidos:
- De um lado, o grupo mercantil próspero e ambicioso, de cultura europeia e politicamente liberal, reunia aristocráticos e burgueses buscando a ordem sob a liderança de Buenos Aires, sua sede. Defendia o livre-câmbio, restringia a navegação dos rios pouco se importando com a ordem institucional fosse ela republicana ou monárquica, desde que não retornasse ao sistema de clausura e de monopólio. Por não possuir apoio interno suficiente, procura-o no exterior. Depois de atritos e choques concilia-se com o Brasil em troca da autonomia da Banda Oriental; concilia-se também com a Inglaterra e a França em troca do livre-câmbio. Esse grupo constitui a essência e a base do partido unitário.
- De outro lado, uma população pobre, que se empobrecia cada vez mais. Primeiro porque a entrada livre de produtos manufacturados prejudicara as suas fábricas e oficinas deixando flutuantes os elementos que nelas trabalhavam e que passam a gravitar em torno dos caudilhos locais ou regionais. Segundo, porque o fechamento dos rios não permite que participe do enriquecimento que o comércio internacional proporciona. Isola-se em seus núcleos dispersos esmagada economicamente e por isso mesmo destinada a ser presa fácil do caudilhismo; o caudilho é a sua expressão e a sua síntese. É formado por uma população pobre, desorientada, democrática e desorganizada que constituirá a base do confuso partido federalista.
Para o advento da anarquia concorreu poderosamente o desfalque representado pela retirada de San Martín e de suas forças do cenário americano. Ao abandonar a luta, o general argentino deixou as suas tropas no Peru. Elas eram preparadas, instruídas e experimentadas. Representavam o melhor, o único aparelho militar em que se poderia apoiar a acção coordenada e organizada do poder central. A retirada das tropas de San Martín deixou o poder central sem suporte militar, sem o instrumento de força para exercer a sua autoridade. O país ficou a mercê da autoridade local ou regional dos caudilhos, forças sem fisionomia militar. O quadro da anarquia estava caracterizado: cada província semelhava uma república, levantada sobre os núcleos urbanos, governada por um caudilho, senhor dos demais e mantido pela força, isolando-se e regredindo sem direitos e sem vida económica organizada.
José Francisco de San Martín Matorras (1778-1850)
O nome dos dois partidos, o unitário e o federalista, não traduziam com fidelidade absoluta o problema mais discutido. Confundiam, muitas vezes, com suas atitudes, a fisionomia do conjunto; lutavam sem trégua, ora triunfando um, ora o outro, mais como facções a serviço de interesses quase sempre imediatistas locais ou regionais. Quando não era possível a supremacia absoluta de uma das facções e o enfraquecimento é geral, surge a anarquia, o poder se dispersa e fragmenta e a nação ameaça entrar no caos. É o domínio do caudilhismo com a autoridade distribuída em cada região por um chefe local que se sobrepõe aos demais e que dita as leis. O caudilho é a expressão característica da anarquia.
Rosas nasceu e foi criado na zona rural da província de Buenos Aires. É um dos caudilhos em torno do qual se agrupam os elementos flutuantes do pastoreio. Enriqueceu como grande proprietário de terras, como homem do campo em luta permanente com os índios e com a natureza. Adaptou-se ao meio que o gerou para ser um dos seus representantes típicos. Convivia com os seus peões e com os índios; dominava-os pelo exemplo, fascinava-os por ser o melhor deles. Ao começar a sua vida independente, a pecuária argentina já havia abandonado o exclusivismo do couro, que resultava na dizimação dos rebanhos. Com o advento da salga, o país entrara na fase de aproveitamento da carne. Rosas enriquece, alcança projecção na província e passa a chefe de bando - caudilho.
Ele evita participar a fundo dos tumultos políticos que precedem o período da anarquia. A luta entre Derrego e Lavalle é que o apresenta em definitivo no cenário argentino. Ao subir ao poder, define, sem dúvida, no âmbito da província de Buenos Aires, a conquista da cidade pelo campo. A população pastoril invade o núcleo urbano e impõe pelo seu representante as suas características. Para governar, Rosas deverá resolver a contradição entre a cidade e o campo. Conjugará os dois processos para impor ao país inteiro a sua autoridade. Embora seja uma força do partido federalista e embora venha a adoptar o refrão "abaixo os unitários", fará como homem do campo e com os seus processos, e ainda servindo a alguns de seus fins imediatos, a política do grupo urbano: será livre-cambista até certo ponto; monopolista em defesa da primazia portenha; fechará os rios e intervirá nas províncias.
Continua.
Belo Horizonte, 28 de Outubro de 2007.
Therezinha B. de Figueiredo