Burricadas nº 6
Dimensão, ao que me levaste....
v Sim, vou escrever uma vez mais sobre o maior Banco privado português.
v Não, não vou glosar o grand finale dos empréstimos feitos ao filho do Grande Timoneiro. O Banco, a mais modesta Instituição Financeira, que não tiver no cartório um gesto de carinho e simpatia para com parentes e amigos dos seus Administradores, Directores e, até, do porteiro, que atire a primeira pedra. Garanto-lhe, Leitor, que ninguém resultará ferido do repto – e não será por falta de pedras ou de pontaria.
v Vou comentar, sim, e uma vez mais, a “engenharia financeira” que inspirou os sucessivos aumentos de capital do BCP (e de outros Bancos), sob o olhar complacente e bonacheirão dos nossos perspicazes Supervisores.
v Então é assim. Quando um Banco empresta dinheiro aos que pretendem adquirir uma nova emissão de acções desse Banco, o aumento registado no Capital Social e no saldo da conta “Prémios de Emissão” (numa palavra, os seus Capitais Próprios) tem por contrapartida igual aumento no saldo da conta “Clientes”. Ou seja, o Balanço do referido Banco infla, avoluma-se, nessa exacta medida.
v Só que - os efeitos desse avolumar não são simétricos (diriam os teóricos: não é um jogo de soma nula). Dando números à coisa para se ver melhor.
v O Banco, com entradas de capital e prémios de emissão, vê aumentados os seus Capitais Próprios em +1,000 - e leva os custos dessa emissão de acções a Resultados do Exercício (que, neste exemplo, continuam positivos, por hipótese).
v Desde logo, esta forma de contabilizar os custos da emissão prejudica duplamente o interesse imediato de quem já seja accionista: pelo efeito de diluição que a nova emissão, muito provavelmente, terá na cotação do título; porque diminui os Resultados susceptíveis de serem distribuídos como dividendos.
v Na coluna da esquerda do Balanço, a Carteira de Clientes aumenta também +1,000.
v A estes novos 1,000 no Activo, o Banco terá de afectar, no mínimo, 8% dos seus Capitais Próprios. Sejam, não 8%, mas 10%, porque o Banco é um ícone da prudência financeira. Em números: do acréscimo de 1,000 nos Capitais Próprios, 100 ficaram de imediato a respaldar o correspondente acréscimo na Carteira de Clientes.
v E os restantes +900 nos Capitais Próprios?
v Ah! Esses ficam livres para respaldar o crescimento do Balanço do Banco. Em quanto? Se o Banco persistir na “regra de adequação do capital” dos tais 10%, até +9,000!
v Mas, perguntará o Leitor, o Banco não conseguirá certamente financiar por inteiro este acréscimo do seu Activo (+9,000) só com a sua própria moeda escritural. Alguma liquidez irá perder na Compensação Interbancária, por efeito da concorrência.
v Se passar despercebida a quem dirige o Banco a essência da intermediação bancária, é até provável que ele perca tudo num ápice. Por isso, o acréscimo do Activo não subirá aos píncaros dos +9,000, mas ficará talvez pelos mais modestos 4,000-6,000. Como financiará o Banco, então, um deficit acumulado na Compensação Interbancária desta ordem de grandeza, já que da realização do aumento do capital nenhuma liquidez pingou (no exemplo, a emissão foi integralmente financiada por empréstimos do próprio Banco)?
v Simples. Endivida-se junto de Bancos estrangeiros (a alavancagem monetária externa dos Capitais Próprios), dado que o que não falta é liquidez no mercado interbancário internacional - e, ainda há pouco, as regras prudenciais não reagiam a esta “engenharia financeira” oportunista.
v Se os dividendos distribuídos após a engenhosa emissão de acções forem inferiores ao custo do endividamento contraído para as adquirir, melhor ainda. Tudo é feito à custa dos accionistas, novos e velhos, financiados e não financiados.
v Mas se quem pediu emprestado para se tornar accionista do Banco não pagar a dívida que contraiu? Aumenta o malparado – mas o Banco credor, astuto, sempre espera cobrar algo mais do que as acções que ajudou a comprar.
v Se não se verificarem circunstâncias muito excepcionais, e se diluir no tempo todas essas situações, conseguirá cobrir boa parte do correspondente malparado com Resultados (do exercício ou transitados) – à custa dos accionistas não financiados, naturalmente.
v No limite, porém, registará (por efeito dos abates ao Activo) prejuízos idênticos a esse malparado, vendo reduzidos os seus Capitais Próprios em igual montante – e sempre, sempre à custa dos que continuarem accionistas. E, se tal acontecer, a alavancagem monetária externa dos Capitais Próprios entretanto reduzidos atingirá níveis de estarrecer.
v Quem ganha, então? Responderia J. K. Galbraith: a tecnoestrutura: Maiores volumes (e sabe-se como os analistas se fixam, fascinados, nos volumes, na dimensão, como medida última do desempenho e da solidez). Mais dinheiro para gastar. Mais aparências de boa gestão. Mais “stock options” e outros bem merecidos “fringe benefits” para quem assim tão bem gere o Banco.
v Dito de outro modo, este é um exemplo vivo do que a literatura designa por “agency problem”: o conflito de interesses entre Accionistas e Administração/Direcção.
v Conflito de interesses entre Accionistas e Administração/Direcção? Isso é terreno da CMVM. Alguém a viu ou ouviu antes, durante ou depois das tais emissões de acções que tiveram lugar em mercado regulamentado?
v Excessivo endividamento interbancário (mais exactamente, excessiva alavancagem monetária externa dos Capitais Próprios)? Perdas potenciais enormes? Isso não afecta a estabilidade do nosso sistema bancário (como no Chile em 1980, e no Extremo Oriente em 1996/1997)? E não passa por aí a esfera de competências do Banco de Portugal? Alguém o viu, ou ouviu, antes, durante ou depois das tais emissões de acções por Bancos supervisionados? Ou quando a alavancagem monetária externa de vários destes Bancos atingia níveis que ultrapassavam em muito os que se verificaram durante a crise asiática?
v Pondo a questão frontalmente: os nossos Supervisores justificam o dinheiro que ganham?
a.palhinhA MACHADO
Outubro 2007