VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCOS
Já tinha visto um cuco fora do relógio suiço? Eu não.
Como já disse no texto anterior, teve a minha ida a Bragança em 5 de Outubro como objectivo não a participação nas comemorações da implantação da República mas sim no 6º Colóquio da Lusofonia que desta feita tinha como tema principal a versão brasileira da nossa língua, a portuguesa. E se cometo esta redundância de afirmar que a nossa língua é a portuguesa, tenho como objectivo afirmar que o brasileiro é adjectivo de nacionalidade e não nome de língua. Língua brasileira é músculo que ajuda gente e bicho a comer ou articular som. Nada mais e nunca em simultâneo pois não se fala de boca cheia. A língua que se fala no Brasil é a portuguesa. Dêem-lhe a sonoridade que entenderem, cantem-na mais ou menos, tentem destrui-la até mas não se arroguem a autoria de obra alheia nem queiram vir para cá ensinar o Pai-nosso ao Vigário. O português padrão é o que se fala em Portugal e ponto final na discussão.
Outra questão de que ouvi falar - fora da sala em que decorria o Colóquio - foi a de saber se os timorenses querem mesmo falar português. Não querem? Pois falem o que entenderem se quiserem ser espezinhados pelos vizinhos indonésio e australiano. A partir do momento em que percam a pouca singularidade que lhes resta, logo perderão toda e qualquer autonomia, mesmo aquela que funda o Estado de que se querem cidadãos. Em Timor a língua portuguesa é uma arma política e é nesse plano que tem que ser considerada se o país quiser continuar a existir. Olhem para a miséria a que Goa deixou levar a dignidade que dantes tinha e que lhe dava o epíteto da “Roma do Oriente”. Hoje nem arrabalde de Bombaim os indianos a consideram E A Igreja seguiu à risca a Tradição Paulina e nada fez pela preservação da identidade luso-indiana. Felizmente ainda por lá anda quem já percebeu que Goa só sobreviverá se normalizar o uso da língua portuguesa e já decorreu nestes Julho e Agosto o 11º curso de língua portuguesa, desta feita de conversação para quem já tivesse feito os quatro graus anteriores. Recordo que os 10 cursos que o precederam tiveram uma média de 92 alunos e este de conversação teve 30. É pouco? É muito mais do que fazem os que põem a nossa língua em dúvida. E os portugueses do Sri Lanka querem aprender o português moderno e nós ainda lá não conseguimos chegar a não ser pela Internet. Mas alguma coisa havemos de fazer por eles pois temos vontade de defender o que é digno de ser defendido: a língua portuguesa.
E quando ouço dizer que nada de jeito se faz pela nossa língua, logo me salta à memória a realidade de que o trabalho feito pelo Instituto Camões é totalmente financiado pelo Contribuinte português enquanto o Instituto Machado de Assis não passou do papel brasileiro em que foi decretado e o Instituto Internacional da Língua Portuguesa que deveria funcionar em Cabo Verde também não passou de uma simples miragem da CPLP.
Falem, falem mas quem faz alguma coisa é o pequeno Portugal e o resto são bazófias.
E o que lá fui dizer? Fui divagar sobre o que considero que será a Lusofonia no séc. XXI e seguintes logo tomando a iniciativa de afirmar que não me parece imprescindível discutir a sintaxe e o hífen. Não haverá Acordo Ortográfico? Paciência, eu continuarei a falar ao nosso modo e espero que a Internet nos una em vez de nos separar. Uma língua fala-se na rua e escreve-se por aí fora, não se decreta nem se concerta em Academia. E se as elites funcionarem como forças centrípetas, então o exemplo frutificará e a língua portuguesa há-de adaptar-se às circunstâncias.
Eis por que mais do que em voo sobre um ninho de cucos, cheguei a temer que me considerassem naquela sala um cuco em ninho alheio.
Mas não e, pelo contrário, todos foram duma simpatia rara, a começar pelo anfitrião, o Dr. Chrys Chrystello que finalmente conheci pessoalmente. Desde antecipar a minha intervenção de Sábado para a 6ª feira anterior só porque não há avião aos fins-de-semana até mandar servir o almoço de modo a que eu não perdesse o avião de regresso, tudo foram gentilezas que me deixaram desvanecido.
E para cúmulo, eu era o participante com menor grau académico pois que me limito a ter uma licenciatura enquanto os que me ouviram eram todos Mestres e Doutores. Não há dúvida, a Academia dá muita Ciência mas também dá muita sabedoria, nomeadamente esta de saber ouvir um palestrante menor.
Lisboa, Outubro de 2007
Henrique Salles da Fonseca