MALANDROS
A História tem pela frente séculos suficientes para deixar a poeira assentar e essa parece razão suficiente para não tecermos juízos de valor sobre ocorrências nossas contemporâneas. A distância no tempo arrefece as paixões e essa tem sido uma condição importante para a observação de factos polémicos, esses que a História regista; os consensuais não se libertam facilmente da lei da morte.
Ainda por cima eu acredito que o futuro é muito mais longo que o passado e, portanto, tenho grande sossego quanto à pressa que devemos imprimir à apreciação histórica do nosso tempo. Quero acreditar que vai haver muitos mais historiadores do que todos aqueles que já o foram ou são.
Apesar de tudo isto, não resisto à tentação de referir o “escândalo” que se está a passar com a realização em Lisboa da Cimeira Euro-Africana à qual não comparece o Primeiro-ministro britânico se Robert Mugabe cá vier.
Todos sabemos que Mugabe promoveu uma série de barbaridades contra agricultores brancos no Zimbabwe, que o país deixou de produzir alimentos, que a actividade económica geral se despenhou, que a inflação disparou e tudo quanto há de pior nas perspectivas económicas – e, portanto, financeiras – vem acontecendo naquele que em tempos foi sede do Império do Monomotapa. O fulano é um malandro que parece viver rodeado das maiores mordomias enquanto o povo se debate com problemas diários de sobrevivência.
Nesta última perspectiva – a das mordomias presidenciais versus miséria popular – não vejo diferença entre Mugabe e os demais políticos africanos. Portanto, se por isto ele é um malandro, todos os outros o são também mas se ele é um malandro porque promoveu o assassinato de agricultores brancos e a ocupação das terras por negros, não vejo no que o distinguir dos políticos que lideraram Angola e Moçambique nos idos de 1975 e seguintes. E se ele é um malandro porque promoveu a chacina de etnias negras zimbabweanas tradicionalmente adversas à sua própria, não vejo onde possa estar a diferença entre ele e a maior parte dos políticos que alguma vez na História de África se sentaram na cadeira do Poder.
Ou seja, Robert Mugabe é de facto um malandro sem sombra de qualquer dúvida mas não há-de morrer de tédio por falta de companhia na classe dos malandros.
A questão, no entanto, nada tem a ver com critérios africanos mas única e exclusivamente europeus: os agricultores brancos assassinados ou expulsos do Zimbabwe eram ingleses enquanto os brancos assassinados ou expulsos de Angola e Moçambique eram portugueses. E esta é a única diferença. Portanto, medidas diferentes para casos idênticos.
O que se passou no Zimbabwe foi uma barbaridade; o que se passou em Angola e Moçambique foi uma justiça da História, uma luta pela autodeterminação e outras coisas que já nem lembro.
Pasme-se.
É claro que Mugabe é um malandro mas tão malandro como ele é quem hoje manda escrever a História do lado contrário ao dele.
Lisboa, Outubro de 2007
Henrique Salles da Fonseca