Em Yokohama lembrei-me daquele arqueólogo francês que disse que
«Hoje tudo são campos onde foi Troia».
Em Yokohama não ouvi o Coro dos Marinheiros» e na suave colina não vi a casa de Butterfly.
Hoje, em Yokohama tudo são enormes prédios cúbicos e metálicos, nada resta dos lugares em que houve romance em casas de bambu; o jardim do requintado bonsai e da gravilha com cada pedrícula no lugar certo é peça de museu; a última gueixa há muito que passou para o mundo Shin Tô dos espíritos e a cerimónia do chá é ideia que aos poucos se desvanece nas brumas da memória.
Nada resta da Civilização que levou Wenceslau à paixão. É pena e Yokohama já não é.
Quando daqui a uns tempos (séculos?) os nossos herdeiros se perguntarem qual era o espírito destes tempos por que agora passamos, talvez a resposta seja «o tempo da desconfiança e da destruição»; não o tempo do medo mas certamente o da insanidade. Desconfiança mútua de pertença a obediências ocultas e malignas. De um lado, a obediência ao imperialismo; do outro, exactamente o mesmo; no meio, o mexilhão a que chamamos Europa.
A precaridade europeia agravou-se com a chegada da boçalidade ao poder nos EUA e com a aparente transformação da Casa Branca em sucursal do Kremlin.
Uma das ideias mais propaladas actualmente tem a ver com a «moleza» dos líderes europeus dando-se assim a entender a sua inaptidão para a liderança. Ora, não é crível que todos os europeus nos tenhamos empenhado em escolher os piores entre nós precisamente para nos representarem. O que é crível, isso sim, é que o método de formação da decisão democrática seja diferente do da autocrática: o método democrático é necessariamente negociado enquanto o outro é ditatorial, rápido mas rígido e, portanto, quebradiço. O método negociado tem necessariamente cláusulas de elasticidade que historicamente lhe têm assegurado a vitória. A aceleração do método democrático faz-se com os «Gabinetes de Crise» e é então que os da autocracia gritam e rangem.
A fronteira está, pois, na opção de Regime e apenas na diferença entre os que pensam por si e os que preferem ser mandados; de um lado o humanismo do Estado que serve o cidadão e do outro o Estado que se serve da carne para canhão.
Mais: por insistente instigação dos da autocracia, a desconfiança popular no método negociado de formação das decisões cresce a cada acto eleitoral como resultado da afirmação verdadeira ou falsa de que tudo é decidido em compadrio, secretismos e corrupção.
Falsas ou não as acusações, a desconfiança é absolutamente verdadeira e há que a corrigir com urgência pela…
Desconsideração «ab initio» da denúncia anónima;
Regulamentação do «lobby»;
Aperto do cerco à corrupção.
A ver se ainda vamos a tempo de suster a desconfiança e parar a destruição. A ver…
Religião é a crença na transcendência determinante da espiritualidade sobre a matéria e respectivas ocorrências, a metafísica de proximidade; é na religião que se escondem medos e se guarda a esperança.
Da religião emanam os conceitos de bem e de mal que suportam a Moral e que, transpostos para o plano dos factos, constituem a Ética.
Religião, Moral e Ética constituem a base da Civilização que, uma vez adicionada das artes decorativo-folclóricas, gera a Cultura.
É do quadro cultural que emanam as atitudes humanas as quais desenham a História.
Para conhecer um povo há, pois, que lhe conhecer a religião.
* * *
A Cultura japonesa nasceu do Shintuismo a que se juntou o Budismo e, muito mais recentemente (séc. XVI) foi «polvilhada» pelo Catolicismo dos jesuítas portugueses.
Animista, o Shintuismo não tem qualquer texto que lhe assegure unidade de doutrina como acontece com os Vedas do Hinduismo, os Pensamentos de Buda no Budismo, a Tora no Judaismo, a Bíblia no Cristianismo ou o Corão no Islamismo. A profusão de deuses locais promoveu o regionalismo feudal com uma sucessão permanente de guerras e guerrinhas ao estilo do «sai daí para eu entrar». Foi necessário inventar a figura do Imperador «filho dos deuses» (sem se dizer de quais) para que houvesse um mínimo de coesão naquele arquipélago… e, mesmo assim, era um Imperador sem qualquer poder temporal cabendo-lhe apenas o papel de «filho dos deuses».
Foi necessário esperar por Janeiro de 1543 para, com a chegada de Fernão Mendes Pinto e as armas de fogo, se ter dado início à modernização da guerra e, daí, à unificação política do Japão.
Definitivamente, na História do Japão, a chegada dos portugueses, marca o fim do medievalismo e o início da modernidade. É claro que os japoneses não vêem telejornais portugueses e, daí, Portugal ser ainda hoje muito estimado no Japão.
Com a unificação política do arquipélago, o belicismo transferiu-se do interior para a periferia passando de feudal a imperial. O processo culminou na II Guerra Mundial a que só duas bombas atómicas puseram fim. Passando o Japão desarmado a ficar «protegido» pelos EUA, o Imperador Hiroito teve que descer a terreiro e reconhecer que se enganara ao nomear o Governo dos militares que conduzira o Japão ao descalabro e humilhação. Mais declarou não ter origem divina e ser simplesmente humano. Caído o dogma pela boca do próprio dogmático, foi esta queda a 3ª bomba atómica que destruiu a fé dos que haviam sobrevivido às duas bombas anteriores.
Com a destruição de todos os tradicionais parâmetros civilizacionais, novos Valores tinham que ser erguidos. Quais? Lamber as feridas foi o primeiro passo (fazer luto pelos mortos). Seguiu-se, com a ajuda americana, a reconstrução das cidades e logo, em simultâneo, a reconversão industrial da guerra para a paz.
Chegados a hoje não contam com o Imperador mas valorizam muito o Yen; continuam a pugnar pela harmonia com as forças da Natureza como paradigma do Bem mas entregaram aos Partidos a definição do bem-comum.
Ao contrário de nós, portugueses, que trabalhamos para viver, os japoneses vivem para trabalhar e por isso, em 80 anos, se ergueram das cinzas atómicas aos mais elevados padrões do desenvolvimento internacional e nós… não.