Salazar caiu da cadeira, agonizou e morreu. Contudo o Estado de Direito sobreviveu-lhe; as «contas certas» sobreviveram-lhe; os nazis e os soviéticos ainda hoje não tomaram conta da Península Ibérica; o Império sobreviveu-lhe.
Deixem lá o Homem ter uma estátua em Santa Comba. Ou será que os servidores do imperialismo russo ainda hoje o temem?
NOTA FINAL:
Para conhecer os defeitos políticos de Salazar, ler os meus próximos textos sobre o Professor Marcelo Caetano.
Salazar tinha por virtuosa uma sociedade modesta, pia e, sobretudo, estática; o desenvolvimento intelectual ou material era perturbador da quietude que pretendia, apenas o imprescindível e, mesmo esse, desde que não perturbasse as contas públicas nem os saldos externos. O modelo valia para o todo nacional, Metrópole e Ultramar e, neste, para cada parcela. Na sua concepção, o Império solidificava a nossa Soberania como Nação independente, sobretudo perante a cobiça espanhola.
Avesso à concorrência que tinha por causadora do aviltamento dos preços que desse modo a todos os concorrentes levava á ruína, instituiu o Condicionamento Industrial.
Congruentemente, determinou que no Ultramar não se produzia azeite nem vinho e na Metrópole não se produzia algodão nem tabaco. Mais determinou as seguintes especializações territoriais:
Guiné - caju, sementes oleaginosas;
Cabo Verde – conservas de peixe;
São Tomé e Príncipe – Cacau;
Angola - café robusta, diamantes, minério de ferro, petróleo;
Moçambique – algodão, caju, minério de carvão, sisal;
Goa – Minério de ferro:
Timor-café arábica;
Macau – Entreposto comercial com a China.
Na perspectiva económica, modelo tendencialmente mercantilista, na financeira, quase hermético, com apenas uma porta para o exterior, a do «BdP», parecia sustentável «per secula seculorum» e isso incomodava os grandes do mundo. Contudo, Salazar tinha a certeza de que era um modelo por que valia a pena lutar.
“Jimmy” (nome de código no MI6), o mastim alfa, era 0 único português, não membro do Governo que ia semanalmente a despacho com Salazar. Assim se mantinha o contacto permanente entre o Doutor e os seus mentores, os ingleses a que depois se juntaram os demais Aliados.
Foi com o figurino soviético que, na guerra civil espanhola, o imperialismo russo chumbou na sua estratégia (ainda hoje válida) de domínio da Península Ibérica para o estrangulamento da Europa.
Espanha saiu do seu conflito humanamente exangue, materialmente arrasada e com relações externas muito condicionadas. Não podia entrar em nova guerra, precisava de tempo para lamber as feridas e, daí, a neutralidade que conseguiu na II guerra mundial.
Pró- aliados, Salazar conseguiu negociar a neutralidade portuguesa oferecendo aos beligerantes uma tranquila plataforma de espionagem mútua com expressão em Portugal e no Ultramar. Com grande eficácia, Salazar soube mexer-se com grande proveito para o resultado final do conflito.
Provada a total inutilidade militar italiana, o super germanófilo MNE espanhol Ramon Serrano Súñer (também conhecido por «jamon serrano»), pugnava pelo fim da neutralidade e pela adesão de Espanha ao Eixo. Preocupados, os Aliados pediram a Salazar que interviesse. E o Doutor definiu ao que iria: os Aliados forneceriam todos os bens de primeira necessidade que lá rareavam e Franco não emparelharia com o Reich. Os aliados concordaram e aceitaram a sugestão de as entregas se fazerem discretamente através da fronteira portuguesa.
No maior segredo, Salazar foi a Sevilha encontrar-se com Franco. Sabia que levava a solução para o problema que mais preocupava o Caudillo. Encantado, Franco aceitou tudo e, mais ainda, demitiu o seu MNE e Serrano Súñer nunca mais voltou ao governo durante os muitos anos que ainda duraria o consulado franquista.
Esta viagem a Sevilha foi a mais longa que Salazar empreendeu em toda a sua vida, mas valeu a pena. Até porque não é todos os dias que um português promove a demissão de um ministro espanhol. Mais ainda: Serrano Súñer elogiou Salazar ao longo de décadas e décadas dizendo que o Doutor era uma pessoa encantadora.
Contido o perigo nazi, era a hora de afastar os soviéticos. Disso se encarregaria «Jimmy». Até que o MI6 o mandou para Director da Interpol. Assim mesmo, discretamente como sempre, sem CAPSLK.
O actual slogan socialista das contas certas significa saldos positivos, mas quando há défices nada diz sobre o acerto das ditas. As contas só estarão erradas se tiver havido martelada.
Mas vou aceitar a modernice da linguagem e afirmar
que o acerto das contas era um «must» do Doutor Salazar.
Os problemas financeiros do Estado Português já vinham dos tempos da Monarquia e a Primeira República não os resolveu, antes os agravou. Foram disso causa certas despesas de desenvolvimento sem retorno imediato – v.g. a instituição da Universidade de Lisboa e da do Porto, as Escolas Normais de Lisboa e da de Coimbra... - mas sobretudo a participação na Grande Guerra de 1914-18 nas três frentes da Flandres, do sul de Angola (vizinho do Sudoeste Africano, então colónia Alemã) e no norte de Moçambique (vizinho do Tanganica, então colónia Alemã).
Passagem breve pelas Finanças do Governo do General Domingos de Oliveira onde considerou não estarem reunidas as condições para ser útil. Demitiu-se, regressou a Coimbra e esperou… Não tardou muito para que Carmona o convidasse a formar Governo. Aceitou porque sabia o que queria e para onde ia. Assumiu a Presidência do concelho de Ministros acumulando com a pasta das Finanças, decretou o fim das receitas consignadas e dos fundos privativos que pululavam pela Administração Pública. Todas as receitas públicas passavam a entrar exclusivamente no Tesouro e não havia mais dispersão de recursos. E se alguém reclamasse, logo se lhe atiçariam os mastins às canelas. E o Tesouro, grão a grão, logo começou a «botar figura» como se dizia lá pelas bandas de Santa Comba. Quanto às despesas, impôs uma apertada política de cabimentação em Orçamentos equilibrados: só se gastava o que coubesse na plausibilidade das receitas. O que encolhia ou esticava era a rúbrica do Investimento. As dívidas foram servidas e liquidadas (por exemplo a tristemente célebre dívida ferroviária cuja Câmara de Falência se situava em Paris). O desenvolvimento não prejudicaria o equilíbrio. Para Salazar, desenvolvimento podia significar também alguma instabilidade social perturbadora do seu ideal ruralista e das “virtudes” da economia de subsistência. Começava o entesouramento que engordaria o Tesouro nos 40 anos seguintes.
Isto, quanto à dívida pública, mas a privada tinha que ser tratada urgentemente e Salazar não hesitou. Não iria a votos, inspirou-se em Dracon.
Notável, a congruência das políticas orçamental, monetária e cambial, todas convergindo para o objectivo supremo da estabilidade.
Cada território ultramarino a seguir a mesma política (salvo o “lapso»” Alves dos Reis) e os respectivos bancos emissores tutelados pelo «Banco de Portugal», todo o espaço português se viu empurrado para uma prática mercantilista e com todos os saldos cambiais a serem contabilizados no «BdP». Se a tudo isto somarmos o acordo com a África do Sul relativo ao pagamento do trabalho dos «magaíças» nas minas daquele país, dá para compreender como grão a grão nasceu a «pesada herança do fascismo». Pesada, sim - só em oiro eram 800 toneladas; fascismo, não - era um Estado de Direito Corporativo.
Foram quatro os eixos estruturantes da política do Doutor Salazar:
Assentamento Doutrinário do Estado de Direito Corporativo;
Equilíbrio das Finanças Publicas;
Oposição às pretensões soviéticas de domínio da Península Ibérica;
Defesa intransigente do Ultramar como suporte da Soberania Nacional face à cobiça ibérica castelhana.
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Diz-se que um Estado é de Direito quando todo o seu quadro legal é do domínio público e de aplicação universal; o mesmo se diga do processo legislativo.
Falta de rigor no processo legislativo significa fascismo, ou seja governação ao sabor do capricho do ditador.
Católico de capela privativa e Catedrático de Direito em Coimbra, facilmente se perceberia que dificilmente o Doutor Salazar abandonaria convicções e saberes. Teve quarenta anos para provar a sua firmeza e ninguém ficou com dúvidas.
O modelo de Estado Corporativo por que optou pretendia ser uma plataforma (conciliatória?) entre o patronato capitalista e o trabalho marxista com os Grémios a serem dirigidos em partes iguais por representantes de cada lado. Mas havia que adamar o sistema para que o Adamastor não se erguesse nem escuro nem grosso.
Depois de “sugeridos” pela «União Nacional» e passados a pente fino pela PVDE (a antecessora da PIDE já então dirigida pelo Capitão Agostinho Lourenço, “Jimmy” para os seus colegas do MI6), os Directores dos Grémios eram nomeados pelo Ministro das Corporações. Supostamente, todos se comportariam em conformidade com o modelo de serenidade definido pelo Regime, mas se algum ânimo se levantasse, logo alguém lhe atiçava os mastins às canelas e a ordem era reposta de imediato no silêncio monacal nacional. E assim foi durante os 40 anos em que vigorou o Regime do Doutor Salazar: tudo na paz do «faz de conta e, como se veria em 1974, com a solidez estrutural de um castelo de cartas. A militância de alguns, poucos, a contrastar com a diletância dos demais, muitos, …
Contudo, em abono da verdade, há que reconhecer uma certa «democracia» ao Regime do Doutor Salazar na medida em que aceitava no seu seio todas as pessoas de qualquer extracto social, do mais humilde ao mais confortável – desde que não pusessem o Estado Novo em causa. Todos cabiam desde que não perturbassem a calma do sistema.
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ENIGMAS
A quantos Governos presidiu o Doutor Salazar? – Dizem os salazaristas que apenas a dois: o primeiro, na Ditadura Militar e o segundo depois da Constituição de 1933. Na prática, até se poderia dizer que presidira apenas a um, dada constância das políticas, mas, formalmente, a cada Presidente da República terá cumprido, no início de (cada?) mandato, a nomeação do Chefe do Governo. Assim, temos que contar com Carmona (os 2 já referidos), com Craveiro Lopes (1 ou 2 mandatos) e com Américo Tomaz (2 ou 3 mandatos. Mas, na realidade, foi sempre o mesmo.
O 2º enigma é mais complicado, Os Governos do Doutor Salazar eram compostos por Ministros e por Subsecretários de Estado. Então, o que fez ele aos Secretários de Estado?
… os sacerdotes não gostam de Darwin porque este, dispondo dos conhecimentos científicos de que os Autores bíblicos não possuíam, explicou a evolução dos seres vivos sem recorrer aos dogmas.
Conciliando o quase inconciliável, digamos que Darwin explicou cientificamente, como tem funcionado a acção divina.
E fiquemos por aqui pois o óptimo é inimigo do bom.